quarta-feira, junho 07, 2023

irremediavelmente encharcado e com o coração aos pulos











acabei de jantar, peguei na máquina fotográfica e saí de casa, em direção ao verão no parque, iniciativa municipal realizada no parque aquilino ribeiro. como tinha trovejado horas antes, pensei, inocentemente, que talvez não tivessem adiado o concerto dos expresso cool. e como eu gosto de sair à rua logo após ter chovido. menos gente, o reflexo das luzes na estrada, as nuvens aperaltadas, o tempo mais fresco... chegado ao parque, logo vi que o evento tinha sido adiado. mesmo assim, não dei o tempo por perdido. sentei-me na esplanada, era a única pessoa, tomei um café, segafredo zanetti, logo um dos meus preferidos, e comecei a calcorrear de máquina em riste. saiu isto. ah, resta dizer que apanhei uma valente molha, porque mal saí do parque, começou a chover. e bem.

quando cheguei à praça de d. duarte, já totalmente encharcado até aos ossos, pareceu-me ter visto uma miragem. não foi muito perto de mim e como já não vejo muito bem ao longe, não posso jurar. estaria, inicialmente, a uns 30 metros. como normalmente caminho a olhar para o chão, lembro-me apenas de ter olhado uma vez para a frente e ver alguém muito parecida com ela. reparei no cabelo, claramente de uma pessoa que hoje foi ao cabeleireiro. sempre a caminhar, continuei a olhar em frente, mas o guarda-chuva e o facto de ela não vir na minha direcção, mas sim na perpendicular, não me permitiu reconhecê-la de imediato. tentei olhar para a roupa. uma saia comprida, de ganga, blazer preto, guarda-chuva preto também. não estava ainda convencido de que seria ela. já estava praticamente a começar a chegar à estátua do rei d. duarte, quando ela entrou no restaurante porta 64. ela já estava de costas quando olhei para o calçado, que eu sempre conheci muito bem. infelizmente, não consegui a prova de que necessitava através deles, porque não reconheci o calçado. ela entrou, perguntou algo a um empregado, que lhe indicou uma mesa do lado esquerdo da entrada no restaurante. entretanto, eu parecia um maluquinho a fazer umas figuras um tanto estranhas. todo molhado, parei, estiquei o pescoço, vi que ela se afastou da entrada em direcção à mesa ou ao local indicado. embrenhei-me pela esplanada. tentei na primeira janela à direita ver se a via novamente. do lado de dentro, os clientes fitavam-me, perplexos, a questionar o que raio queria um tipo todo molhado ao espreitar para dentro do restaurante. se a primeira janela não me permitiu visualizar nada, e era a que tinha mais ângulo, já sabia que a segunda ainda seria mais infrutífera, mas, mesmo assim, e sem ligar a todas as pessoas que me estavam a ver fazer aquelas figuras, olhei, tentei. nada feito. não consegui saciar a curiosidade.

em todo o caso, fosse ela ou não, não deixa de ser incrível. andei basicamente a fazer tempo no parque, a tirar fotos, sem pressas, sem horários. quando saio do parque, começa a chover. caminho em direcção a casa no meu passo normal, sem acelerar, até porque gosto sinceramente de andar à chuva, embora me preocupasse a máquina fotográfica. segui o meu caminho normal: rossio, rua do comércio, praça de d. duarte. e quando vou a passar à frente do restaurante, ela, se era ela, surge-me à frente. não foi mesmo mesmo à frente, porque aí eu teria tido certezas e teria dito algo, sabendo que era ela. à distância que foi, não deu nem para aferir se era ela, nem para a chamar. se era ela, também não me viu, certamente. sei como ela é. é como eu nesta matéria. caminhamos da mesma forma, sem olhar à volta, sem procurar contacto visual com ninguém, até nos gabávamos disso mesmo. mas por pouco não esbarrámos um no outro, de uma forma totalmente acidental.

ficarei sempre com esta dúvida. mas admito que tive uma vontade incrível, apesar do meu aspecto, todo encharcado de cabeça aos pés, de entrar no restaurante e de ir ter com essa pessoa. se não fosse ela, obviamente que pediria desculpas pela inusitada cena. se fosse ela, não sei o que faria, independentemente da pessoa ou pessoas que estivessem com ela. talvez deixasse, como sugeri noutro texto, que os nossos olhos falassem uns com os outros. ou os nossos corações.

se não era ela, até entendo. tem sido recorrente esta minha apetência para a ver em todo o lado, todos os dias. não é uma ou duas vezes por dia, são muitas mais. e em todas essas vezes fico com o coração aos pulos, como fiquei hoje. é da vontade de a ver, certamente, é a ansiedade a falar.

se era ela, e é estranho eu não ter esta certeza, e não nos cruzámos por meros cinco ou dez metros, é uma valente partida do destino, equivalente a uma valente joelhada no queixo.

mas até para mim é estranho chegar a esta idade e ainda ter este tipo de reacções, mas ao mesmo tempo a não ter receio dos meus impulsos e a equacionar mesmo entrar no restaurante. confesso que foi bom voltar a sentir o sangue a fervilhar nas veias, o coração a bater descompassado e a imaginação a correr desenfreada e selvagem. porque se isto foi apenas a minha imaginação, então é um gigante atestado de "irremediavelmente apaixonado". e eu mereço esse atestado, embora merecesse ser castigado por ter saído do parque 20 segundos atrasado...

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