quarta-feira, fevereiro 22, 2006

going down with something

quando adoecemos parece que todo o peso do mundo nos cai na cabeça. não nos apetece fazer nada, o mundo lá fora mostra-se demasiado agressivo para o nosso debilitado corpo, andamos constantemente a queixar-nos das dores (mesmo quando não está ninguém na mesma divisão ou mesmo em casa), colocamos o nosso ar mais miserável, como se tivessemos recebido a notícia que só tinhamos mais dois meses de vida; só apetece mesmo estar deitado na cama ou no sofá, com montes de cobertores em cima, a ver filmes ou a programação estupidificante das matinés televisivas (também a nossa mente está tão cansada que aquilo até vem mesmo a calhar, para não termos de pensar muito). mas também existe um lado positivo, já que neste estado ninguém espera verdadeiramente nada de nós, apenas que tomemos os comprimidos todos à hora certa. em suma, desliga-se o cérebro e espera-se que venha alguém dar-nos mimo, muito miminho, especialmente se for com aquele ar de compaixão, terno e preocupado, em vez do semblante carregado e "invejoso", cuja verdadeira máxima é: "eu ao menos nunca fico doente, que raio de sorte a minha". no fundo as pessoas têm inveja de quem fica doente, porque quem o está tem sempre as atenções todas, pode faltar ao trabalho, ficar deitadinho o dia inteiro sem ajudar lá em casa, etc.. o "problema" é que nunca temos "nada de especial", como um tumor nos rins ou uma encefalite aguda, que provoque nas outras pessoas uma preocupação especial pelo sofrimento que estamos a passar. quando nos perguntam o que temos e ouvem como resposta "é uma gripe", lá vem o comentário jocoso: "ai isso não é nada, tomas uns comprimidos que eu tomei e ficas fino em 24 horas". (é estranho, mas toda a gente que conhecemos nos recomenda uma marca de comprimidos diferente...) ou seja, uma simples gripe pode deitar-nos completamente abaixo, por causa das dores, dos espirros, da fraqueza, mas tudo isto não é suficiente para "convencer" alguém a preocupar-se connosco. não se recebem visitas lá em casa, ninguém nos traz flores, nada... e há até pessoas que no dia seguinte se esquecem de nos perguntar se já estamos melhores. enfim, lá está, se fosse uma pedra nos rins... toda a gente se preocupava, vinham as estações de televisão, especialmente a TVI, caso suspeitasse de negligência médica, o presidente da república ainda nos arranjava uma medalha (já tem poucas, visto que já só falta condecorar o emanuel e a micaela) e condecorava-nos, dando-nos finalmente o reconhecimento devido, em virtude do nosso sofrimento.
é mesmo chato estar doente e ninguém nos ligar nada, porque é "apenas" uma mera, mesquinha, simples, ridícula, mísera, insignificante gripe. porra.

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

serenidade

era tão serena aquela tarde, somente o som e a espuma das ondas
como carícias meigas de mãos puras.
o calor doce envolvia-nos numa cumplicidade silenciosa,
apenas os nossos olhos teimavam em se encontrar,
em detrimento daquela imponente imagem de pôr do sol.
ao longe não se erguiam adamastores tétricos
nem se previam tempestades,
antes se desenhava um horizonte longínquo de dominante azul
em perfeito contraste com o laranja do sol.
a praia, de areias açucaradas,
beijada por uma irresistível mansidão líquida,
estende-se até aos confins do olhar.
a natureza conversava entre murmúrios de amor,
namorando-se e amando-se na concretização das paixões eternas,
ciciando juras que mais ninguém deve escutar.
nos nossos rostos rasgavam-se inocentes sorrisos,
os nossos olhares encontravam-se no emaranhado da nossa timidez.
assim ficámos até o último raio de sol desaparecer,
as palavras não passaram de meros esboços,
receosas perante a invisibilidade de uma emoção
ou a aspereza de um instinto nocivo.
as letras são os tons da nossa alma,
da nossa força ou da nossa fraqueza.
nesse fim de tarde sereno imperou o olhar,
contemplativo, de pura adulação,
tornado desespero, como quem sabe que um prazer vai acabar,
ou alguém, que amamos, parte sem nós!

terça-feira, fevereiro 07, 2006

introspecção

respondendo ao "desafio" lançado pela cláudia, no seu blog devaneios da cor do céu, aqui fica o exame do meu estado de consciência:
O que me define:
O Tempo. Frio, chuva, lareira, musica, adormecer os filhos, cafe, cobertor, filme, conversa agradável, adormecer acompanhado. Sol, primavera, parque, relvado, os meus filhos, a minha mulher, regressar a casa, lanchar. acho que consigo ser extrovertido e alegre, como um dia de sol; mas também sorumbático e depressivo como um dia de nevoeiro ou de chuva. tento ser um bom pai, um bom marido, um bom filho, um bom amigo, mas para as pessoas se darem bem comigo têm necessariamente de compreender estes estados de espírito e a minha inconstância emocional. depois há o lado profissional e esse obriga-me a estar constantemente atento aos pormenores, de tal forma que só consigo descansar completamente a mente, ou seja, tirar o "trabalho" da cabeça, quando fecho as edições dos jornais. até lá, tenho 4 jornais na cabeça, pagino-os mentalmente, penso sempre que poderia alterar mais alguma coisa. só quando vai tudo na caixa para a tipografia é que descanso e, aí, volto a organizar o meu cérebro, da mesma forma que se arruma uma divisão lá em casa.
O que adoro:
gosto de me sentir apaixonado, seja por uma musica, por um filme ou por outra coisa qualquer. adoro adormecer a minha filha ao som de sigur ros, mark eitzel, red house painters ou the czars; de assistir diariamente à evolução natural da minha filha; do seu sorriso desarmante; de passear na rua de mão dada com o meu filho, do olhar meigo dele quando me quer pedir alguma coisa; de adormecer agarrado todos os dias à minha mulher; de saber que tenho um grande amigo, longe mas sempre perto, com quem posso falar sobre tudo, ir assistir a concertos memoráveis ou simplesmente vaguear por esse país fora, sem destino. mas também do menos etéreo, como andar à chuva. há dias senti mesmo necessidade, pura, de me deixar ficar na rua, à chuva, a olhar para o céu, a contemplar os fios de chuva. adoro ter conversas estimulantes com pessoas igualmente estimulantes, aquelas que nos fazem "crescer" espiritualmente e emocionalmente. gosto de escrever poemas quando sinto a inspiração bater-me à porta. gosto de olhar para o produto final do meu trabalho e sentir-me realizado. uma taça de mateus rosé fresco num dia de calor intenso, numa esplanada à beira mar. um capuccino num dia frio, com muito chantilly para comer à colherada, ao pé de uma lareira. um cachecol aconchegante num dia de inverno. uma piscina familiar no verão. serões com os amigos a jogar playstation.
O que me faz voar:
a inspiração. por vezes há músicas que "tocam" mesmo e provocam sentimentos tão belos que têm mesmo de ser registados, de alguma forma. as letras de algumas músicas, de alguns poemas, as palavras certas no momento exacto. ver o "cyrano de bergerac", apaixonar-me pela personagem e desejar ter pelo menos metade da sua eloquência. ouvir a minha filha dizer "papá". o sorriso imediato dela quando eu chego a casa. os elogios da minha mulher e dos meus amigos (quem não gosta de ouvir elogios?). saber que sou importante para algumas pessoas.
o "clic" que se dá quando estou a conhecer uma pessoa e descubro nela inúmeros pontos em comum comigo. a musica 10 do ultimo album dos sigur ros; a musica "bird guhl" dos antony and the johnsons. "rollercoaster", dos red house painters. "concentrate", dos the czars. "listen", dos lambchop. "paralyzed", dos ride. e clássicos como "save a prayer", dos duran duran, e "purple rain", do prince. a musica faz-me voar, sempre!
O que me quebra as asas:
sentir-me impotente quando os meus filhos estão doentes. quando desiludo alguém inadvertidamente. sentir-me defraudado quando elevo demasiado as expectativas.
hipocrisia, mentira, vaidade, mesquinhez, desconfiança, estupidez, ganância, as modas (consegue-se impingir tudo em portugal: d'zrt, zés cabras, margaridas rebelo pinto, telenovelas ocas. a máxima é: se é assim tão falado, nas televisões e nas rádios, é porque é bom. não se pensa pela própria cabeça), quando as pessoas querem ser mais do que aquilo que são.
Porque gosto de viver?
porque tenho tudo aquilo que sempre quis ter: família (mulher fantástica, filhos doces e lindos, pais atenciosos), amigos (poucos mas bons!) e realização profissional (nos jornais onde trabalho). quero ver, acima de tudo, os meus filhos a crescer e ajudá-los a ultrapassar todos os obstáculos e barreiras com que se vão confrontar eventualmente. porque quero ainda apaixonar-me por mais 300 musicas e mais 300 filmes. porque quero ver se algum dia vou ser capaz de escrever alguma coisa que faça sentido e de que me orgulhe o suficiente para me sentir realizado.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

as duas faces da moeda

há decisões extremamente simples de tomar, preferências que assumem maior relevância sobre outras de menor interesse, tais como pedir uma água com ou sem gás, uma bola de berlim com creme ou sem creme, café ou descafeinado, bife bem ou mal passado, etc.. neste caso não é muito difícil tomar uma opção e tudo se resume a um simples "quero este" ou a um "não quero este".
tudo na vida deveria ser assim tão fácil, mas há decisões bem difíceis de tomar com que, volta e meia, somos confrontados. se uma escolha nos parece bem num determinado dia, ou momento, pode parecer errada no dia seguinte, até por uma mera questão de comodidade. pois bem, por esta ordem de ideias e para reforçar esta minha teoria, não há nada mais difícil do que termos de escolher entre duas pessoas, não querendo magoar nenhuma delas obviamente, e se torna complicado chegar a alguma conclusão facilmente. isto porque, não raras vezes, elas se complementam e têm traços de personalidade que nos cativam, que suplantam os defeitos. ou seja, essas duas pessoas juntas poderiam resultar no ser humano perfeito e no companheiro ideal para uma determinada pessoa. e então o que fazer? a sociedade diz-nos que é errado e censurável viver uma história de amor com duas ou mais pessoas, logo temos mesmo que nos decidir por uma delas ou, em casos mais infelizes, perder as duas. é o velho adágio "mais vale um pássaro na mão do que dois a voar". quando não conseguimos encontrar, ou escolher, uma resposta, corremos mesmo o risco de ver dois pássaros a voar. se uma das pessoas é atenciosa, afável, carinhosa, mas tem um sentido de humor igual ao do Manuel Alegre, não perde os Malucos do Riso e os Batanetes e a única coisa que lê é o Auto-Motor e a Maria, por causa do horóscopo, é complicado. uma pessoa assim não nos "incentiva", não espicaça o intelecto, apesar de nos oferecer aconchego, carinho e atenção. mas falta o resto? e quem é que tem o resto? a outra pessoa, porque nos estimula o conhecimento, tem uma vertente cultural mais rica e desse factor até podemos "beber" alguma aprendizagem e crescermos intelectualmente. isto apesar de esta outra pessoa por vezes ser rude, azeda, indelicada e arrogante, que se esquece sistematicamente das datas importantes e recorre frequentemente a um mecanismo de defesa que não permite contemplar a pessoa amada com manifestações de carinho.
com qual destas pessoas é que queremos estar mais?
uma enche-nos de carinho, de amor, mas falta algo que tendemos a procurar noutro lado.
a outra enriquece-nos espiritualmente, mas falta algo que tendemos a procurar noutro lado.
o ideal mesmo era pegar nos dois cérebros, tirar a parte má de cada um deles e unir os lados bons, resultando tudo isto num cérebro ideal. é uma cirurgia a considerar num futuro próximo, deixo aqui a ideia, de graça, a todos os profissionais desse ramo.
mas ainda não encontramos a resposta para esta questão e conheço, pelo menos, uma pessoa que bem a queria saber. a minha solução parte de um princípio básico: as pessoas têm que estar em constante evolução, não podem estagnar, desligar o cérebro, vegetar na comodidade. a maior parte desse desiderato terá que pertencer à própria pessoa, mas terá que existir também algum incentivo no sentido de tornar mais imperceptíveis os "defeitos" e de fazer sobressair ainda mais as virtudes. em ambos os casos descritos em cima, a pessoa que vai escolher tem sempre essa opção, de tornar mais "perfeitos" os adjectivos da pessoa em causa. a escolha terá que recair, a meu ver, na pessoa que mostrar maior receptividade em todo este processo de "aperfeiçoamento".
é certo que podem dizer "cala-te lá ó versão masculina da margarida rebelo pinto, isso é impossível, ninguém muda assim de um dia para o outro, não é só carregar num botão". têm razão, sim senhor. se nenhuma das pessoas mudar, o melhor é mesmo "ver os dois pássaros a voar" e partir em nova expedição pelo espécime perfeito. there's plenty of fish in the sea...