pergunta-me de que maneira te amo...
se não o entenderes antes disso, a minha autópsia vai responder assertivamente.
quando me abrirem, será fácil de aferir que morri com o coração despedaçado, morri de desgosto, morri pelo acumular de dias sem te ver, sem te sentir, sem te tocar, sem provar os teus lábios...
morri porque não estava a viver. estava simplesmente a existir, em piloto automático. e o pior é que eu já tinha experimentado viver, a sério, quando te perdi. o termo de comparação abriu a minha própria cova. se isto é viver, não quero.
como voltar a viver se a principal razão dessa vida já não está nos teus dias, já não é contemplação para os teus olhos, toque para as tuas mãos, cheiro para o teu nariz, som para os teus ouvidos?
os abraços deixaram de fazer sentido.
os beijos recusaram-se a sair, em protesto.
as mãos perderam a noção do toque.
lembram-se do que era pousar sobre a tua perna esquerda quando partilhávamos qualquer mesa, de como era tirar-te o cabelo da frente dos olhos, de o passar por cima da tua orelha, de sentir os arrepios quando passavam na tua nuca.
o meu peito reclama a presença da tua cabeça, em descanso, em dormida fugaz, exaspera pelas tuas mãos, pela forma como lhe batias para o sentir a vibrar ou como o acariciavas em reverência.
quando me abrirem, vão finalmente ver que me faltou algo a determinado momento, como faltam as pilhas aos brinquedos, o combustível aos carros e as teclas aos teclados.
feneci porque não estás, não estiveste, durante muito tempo. essa ausência de oxigénio sentimental provocou danos irreparáveis. foi como dar a capacidade a um cego de ver durante duas semanas e depois voltar a tirar-lhe a visão, a um paralítico de conseguir andar momentaneamente, a um surdo de ouvir centenas de músicas e depois voltar a relegá-lo à mais insípida surdez...
pergunta-me de que maneira te amo...
quando te tinha comigo, flutuava; quando te perdia, entendia que era impossível alguma vez voltar a amar assim. de todas as vezes. era inevitável. o sofrimento toldava tudo à minha volta, toda a gente parecia monotamente igual, os dias passavam sem uma ponta de interesse, sem abrir uma garrafa de vinho tinto alentejano, sem estabelecer planos, sem a ansiedade tão característica de quem não aguentava mais de saudades, de quem apenas começava a viver realmente quando colocava os olhos em ti e via exactamente o mesmo desespero refletido pela avidez de um reencontro há muito desejado.
aqui, neste sítio, neste momento, sinto que não te tenho. sinto que te perdi para sempre. sinto que esgotei todas as minhas possibilidades de ser feliz. sinto que desbaratei tudo de bom que me aconteceu nos últimos anos. sinto que os meus olhos nunca se irão regalar como se regalaram ao ver-te. sinto que as minhas mãos jamais me voltarão a respeitar por te ter deixado escapar. sinto que o meu peito, lentamente, irá definhar de saudades do teu pousar. tal como ele, tudo definhará. de que adianta manter tudo ligado à corrente se aquilo que o corpo mais quer, nestas circunstância, é a escuridão, o negrume, as trevas?!...
pergunta-me de que maneira te amo...
pergunta-me de que maneira te amo...
infinitamente! não há outra resposta possível. nem nunca irá haver. falas em maldição. eu falo em certeza vitalícia. o amor não chega, é verdade, por vezes não chega, mas, quando ele existe e teima em não fugir, é a melhor garantia que podemos ter. mesmo que sinta que te perdi para sempre, ficas a saber que podes, mesmo assim, contar com essa certeza até ao fim dos meus e dos teus dias.
sei perfeitamente qual vai ser a minha reacção quando voltar a colocar os meus olhos nos teus. tu vais entender, eu vou entender. nem precisaremos de falar. as palavras, por vezes, atrapalham, confundem, magoam, atingem, mas os olhos nunca o fizeram. quando me olhares nos olhos vais entender. tal como eu vou entender. é a tal certeza inquebrável. os nossos olhos conhecem-na. os nossos corações também. vamos deixá-los "falar" quando nos reencontrarmos. eles sabem a quem pertencem...