quarta-feira, abril 04, 2007

casos proverbiais

ela era, de facto, imensamente bela, deslumbrante até! cada vislumbre fazia aumentar a curiosidade, a ansiedade de a conhecer, de falar com ela, para confirmar, ou não, se os deuses a tinham abençoado com uma personalidade proporcional à sua beleza exterior. até assustava a ideia de um ser assim tão perfeito, caso ele existisse na realidade. nunca ninguém se sentiria à sua altura, certamente, as pessoas teriam medo de se confrontarem com as suas próprias limitações, fossem elas de índole física ou psicológica. neste caso, ela era praticamente uma amálgama de referências estéticas: os cabelos de catherine zeta jones, o rosto arredondado de charlize theron, os olhos de ashley judd, o nariz perfeito de kate beckinsale, o corpo de josie maran e o posse elegante e sensual de monica bellucci. por vezes chegava a doer interiormente aquela resignação de apenas a poder ver passar e seguir com os olhos, a dolorosa impotência de nada poder fazer, excepto olhar, contemplar e admirar, como se fosse um quadro de renoir ou van gogh.
porém, a curiosidade acaba por consumir interiormente qualquer um, começam a pairar frequentemente na mente músicas como "what if", dos coldplay, com frases como "how can you know it if you don't even try?", e chega-se rapidamente à conclusão de que "não se perde nada se tentarmos". ou seja, enquanto nos sentimos confortáveis a olhar, apenas, não haverá problema; o pior é quando constatamos que queremos mais do que isso.
voltando a este caso específico. "enchi-me de coragem e, numa noite, decidi apresentar-me. ela estranhou, olhou-me com um ar incrédulo, como se nunca na vida tivesse vivido situação semelhante, e por fim, quando eu pensava que seria apenas mais um nome para engrossar a já extensa lista de contactos na sua agenda, acedeu a tomar um café comigo", confessou o meu amigo M. (que raio de amigo é este que nem sequer me revela as outras letras do seu nome?).
no dia seguinte veio ter comigo para relatar o seu encontro na noite anterior. mostrava-se arrependido de ter tido coragem para se apresentar à pessoa que lhe assaltava o pensamento há largos meses. isto porque, antes do tal café, ainda havia a "hipótese" de ela ser, de facto, perfeita, em todos os aspectos; depois do encontro, esfumou-se essa expectativa. e ele estava bastante desanimado: "transportando a sua personalidade para uma música, ela era uma espécie de "you're beautiful" de james blunt; entediava ao fim de dez minutos, porque as palavras que saíam da sua boca enjoavam, causando náuseas e vómitos cerebrais. normalmente, esse era um sinal de que o cérebro se estava a queixar por estar a processar tão mísera informação, por não estar a ser minimamente estimulado; mas, algumas vezes também, era a minha consciência a dar-me estalos, forçando-me a voltar à realidade".
o que é certo é que aquela realidade não era mesmo a dele, não era isto o que ele procurava. nos dias seguintes, o encanto desapareceu por completo e aquela mulher, outrora idolatrada e desejada, era agora evitada a todo o custo.
conclusão em forma de provérbio, embora longo e parvo: "pessoa que agrada à vista e não estimula a mente, é como um careca com um pente".

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