por vezes alguns silêncios dizem mais do que cem palavras. para mim, um longo silêncio partilhado com a pessoa certa pode fazer milagres. os silêncios nem sempre são sinal de que os tópicos de conversa se esgotaram, ou de enfado e tédio. há momentos em que apenas nos apetece contemplar, olhar e sentir. confesso que a minha timidez não me permite ter uma conversa com alguém, frente a frente, olhando essa mesma pessoa nos olhos o tempo todo. tenho sempre medo que as pessoas possam ver no meu olhar o que eu estou a sentir (não se costuma dizer que os olhos são a janela para a nossa alma?!...). nessa altura o meu olhar vai correndo, sem sentido ou rumo predefinido, as paredes, o tecto, o chão, a mesa, a chávena do café, etc.. já várias pessoas me apontaram esse "defeito", que resulta muito mais da minha já confessada timidez do que propriamente de má educação ou desconsideração da minha parte pela pessoa com quem dialogo. mas os silêncios permitem-nos processar as ideias devidamente, reflectir, pensar, sentir a presença da outra pessoa. e há olhares que dizem tudo enquanto estamos calados. de vez em quando consigo colocar de lado a minha timidez e olho, não mais de cinco segundos certamente, para a pessoa à minha frente, e consigo "ler" o que lhe vai na alma. é certo que nem todas as pessoas são iguais, há algumas em que uma pessoa não consegue mesmo ler nada, de tão triviais e banais que são, mas há outras por quem vale a pena fazer esse "esforço". felizmente conheço mais pessoas neste último caso, pessoas ricas interiormente que lutam desesperadamente por se "encaixarem" devidamente nesta amálgama urbana.
por uma delas nutro especial carinho, de tão sensível e delicada que é. a minha solução para os seus problemas, na última vez que estive com ela, em que parecia que tinha 300 kilos sobre os ombros, foi recebida com agrado. e era tão simples, tão eficaz, tão... impossível... e eu queria tanto assumir esse papel, de apaziguador da sua mente, de estabilizador emocional, mas apesar de ser apenas uma questão de tempo e disponibilidade, tal não foi, nem será, certamente, possível. a ideia era muito simples, extremamente simples: retira-la da "selva urbana" durante um dia e leva-la para uma aldeiazinha muito perto de viseu, toda remodelada, para turismo rural, e ficar um dia inteiro numa esplanada a conversar, apenas com o som dos pássaros e do rio como pano de fundo. isto porque sempre que estamos juntos vemos o tempo escoar-se rapidamente, como areia a escapar-se por entre os nossos dedos, a ineroxável marcha do tempo... teríamos, nesse virtual dia, hipótese de falar sem pressa, de partilhar silêncios e emoções. com tempo, sem nenhuma obrigatoriedade de horários. e foi tudo isto que eu senti no seu olhar naquele dia, senti que ela queria tempo, mais disponibilidade, mais atenção. e eu não pude dar-lhe isso. e senti-me mal, frustrado, porque eu queria proporcionar-lhe isso tudo. e se ela olhou bem nos meus olhos "viu" isso também. e assim ficamos os dois, impotentes, a ver o tempo passar enquanto imaginávamos outro cenário, outro ruído, outros ambientes. e esse silêncio disse tudo. mesmo tudo.
nesse silêncio residiu a impossibilidade das coisas, quando as queremos, como as queremos e com quem as queremos. despedi-me dela, entristecido por não ter conseguido abrir-lhe a porta da gaiola, para que ela conseguisse voar.
1 comentário:
Muitas vezes o silêncio é suficiente para abrir a porta da gaiola, basta que queiram voar juntos...
E se a timidez obriga a baixar o olhar, nem sempre consegue esconder o sorriso esboçado, mesmo que inconsciente, mas que espelha o que vai na alma...
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