terça-feira, maio 31, 2022
top 5 covidiano
segunda-feira, maio 23, 2022
o primeiro trail nunca se esquece...
com aquela reconfortante sensação de ter ultrapassado um grande desafio estampada no rosto e de ter saído dele ainda mais revigorado, fortalecido e empolgado.
recuando alguns meses, menos de um ano, vá, este cenário parecia totalmente fora de qualquer cogitação, dados os constrangimentos físicos com que fui confrontado. o início de março foi também o arranque de uma nova fase, em que, lentamente, fui voltando a adquirir o ritmo que tinha antes dos meus problemas renais.
comecei aos poucos, uma caminhada maior aqui e ali, um andamento mais veloz a caminho do trabalho e de casa, aumentar o número de quilómetros por semana... e tudo isto já sem me sentir cansado e desconfortável a cada dez minutos, com o corpo a parecer que me pedia mais a cada dia que passava. e assim foi, a subir de ritmo, de semana para semana, até ao final de março.
a 1 de abril, sexta-feira, tive um dia de folga no trabalho. compenetrei-me de que seria aquele o dia da mudança e resolvi testar efectivamente o meu corpo e a minha resistência. saí de casa às 8h30 e dirigi-me ao parque de santiago, onde fiquei uma hora e meia, seguido de igual período de tempo na mata do fontelo, já não só a caminhar, mas também a correr. no final, quando olhei para a aplicação google fit, no telemóvel, esta tinha contabilizado 15kms. e eu sentia-me ainda fresco e preparado para mais...
nos dias seguintes, mantive uma média de 10 kms por dia, ou seja, 70 kms por semana, média que acumulei durante 3 semanas seguidas. depois, baixei para 60 kms e por lá tem andado até hoje, sempre resultado de caminhadas vigorosas e períodos de corrida, nos dois locais citados anteriormente, mas também na cidade, perto dos edifícios viriato.
ontem, 22 de maio, decidi ir um pouco mais longe neste meu desafio particular com a minha própria resistência física. inscrevi-me no "demo trail", uma prova muito conhecida no circuito de trails nacional, em parte devido à sua elevada complexidade técnica, com muitos rochedos, diversas travessias do rio paiva (pela água mesmo), piso escorregadio e molhado nas suas margens, descidas com corda, pontes de tábuas periclitantes e sinuosas, subidas íngremes, poldras extremamente escorregadias, daquelas em que se o pé pousar 10cm ao lado nos faz cair desamparados no rio... e tudo isto feito com os pés sempre molhados, a acumular lama e todo o tipo de sujidade, ainda por cima à chuva (sim, choveu, é verdade, durante uma hora) e, no meu caso, fazendo quase tudo sempre sozinho (e ainda me perdi, fazendo mais 500 metros do que o originalmente previsto).
e fiz a prova quase sempre sozinho por quê? pois bem, eu inscrevi-me na caminhada de 9 kms, não arriscando um trail logo na minha primeira prova oficial, digamos assim. fui acompanhar a equipa da minha namorada, viseu trail, que participou no trail de 15 kms com cinco elementos. depois de partirem todos os atletas de trail, dos 50, 28 e 15 kms, a caminhada começou às 9h30, quinze minutos depois dos últimos participantes arrancarem. e lá fui eu, ao meu ritmo, sempre veloz, a caminhar.
comecei mesmo na cauda do pelotão, que arrancou, tal como toda a gente, do belíssimo parque botânico arbutus do demo, em vila nova de paiva, onde há três meses fiz uma reportagem para o diário de viseu, e em menos de 2 kms já estava na dianteira da caminhada. à chegada a fráguas, onde havia o único reforço da caminhada, decidi não parar, porque receei que a paragem afectasse o meu ritmo. fui em frente, portanto, já com os meus "colegas" todos da caminhada bem distantes. e então começou verdadeiramente o meu trail...
logo à saída do reforço, e de fráguas, a primeira escorregadela, mesmo antes da primeira travessia do rio paiva, aquela que me molhou os pés inteiramente pela primeira vez. felizmente, não foi grave e consegui segurar-me, evitando lesões ou esfoladelas que pudessem condicionar a minha prova. confesso que não esperava este nível de dificuldade, mas logo me apercebi que estava no mesmo trajecto dos atletas de trail, que passavam por mim a correr, forçando-me a olhar continuamente por cima do ombro para lhes ceder a passagem. em todos esses momentos, a mesma simpatia, o mesmo reconhecimento e agradecimento pelo gesto, algo que me fez sentir em casa, por apreciar a entreajuda, o companheirismo que ali existe em todos os momentos, ao ponto de os atletas pararem para ajudar um seu semelhante a ultrapassar as partes mais complicadas do percurso. desportivismo na sua expressão máxima!
com os pés totalmente molhados, decidi começar a correr sempre que tal me era permitido, porque todo o percurso ao lado do rio paiva era extremamente complicado, com muita lama, terreno molhado e escorregadio, rochedos, silvas e raízes de árvores dissimuladas que nos poderiam fazer tropeçar a qualquer momento. mas fui seguindo, sem vislumbrar ninguém da caminhada, sempre a tentar correr para aquecer os pés. a chuva, entretanto, começou a cair nesta fase. fui à mochila e tirei a tangerina que tinha trazido de casa. podem crer que, até hoje, nunca nenhuma tangerina me tinha sabido tão bem...
quando começaram a aparecer as primeiras subidas íngremes, agradeci a sorte, porque isso significaria que o piso deixaria de estar tão molhado, porque mais longe do caudal do rio. e comecei a subir como um desalmado, mochila às costas, com água, uma tangerina e uma banana, e o telemóvel, claro, como era obrigatório. e olhem que cheguei mesmo a equacionar utilizá-lo quando deixei de ver os panos de cor laranja nas árvores e não ouvia nem via ninguém num raio de 100 metros. quando cheguei ao topo dessa subida, verifiquei que estava perdido. que fazer? ligar a alguém? mandar vir um táxi? nada disso. decidi voltar atrás, pelo mesmo caminho (errado), e tentar encontrar o último pano laranja preso às árvores. e assim foi... e continuei a minha prova, seguindo, agora sim, religiosamente, a cor laranja.
como senti que tinha perdido aqueles 10/15m, decidi correr ainda com mais intensidade, no sentido de recuperar o tempo perdido. comecei a sentir-me amparado novamente quando os atletas do trail passavam por mim. cedi-lhes sempre a passagem, porque os trilhos eram bastantes apertados e só dava para passar uma pessoa de cada vez. de novo, os mesmos agradecimentos, uma palavra de incentivo, um "está tudo bem consigo?" ou "está quase a acabar, vamos lá!". com a chuva que caía e o suor que brotava abundantemente da minha testa, poderia chorar, emocionado, que ninguém teria dado conta. apeteceu-me, sim, mas não o fiz. arrancava atrás deles, cada vez com mais entusiasmo, mesmo já com 7 kms nas pernas.
pensava que já não voltaríamos ao rio, mas estava enganado. regressámos e para a parte mais complicada mesmo. uma descida íngreme por meio de rochedos, utilizando uma corda dos bombeiros, passagem por rochas escorregadias até chegar a uma ponte improvisada, de tábuas de pau, que tinha solidez como uma casa feita de palha debaixo de um tufão. não havia como voltar atrás, obviamente, o estado de espírito, ali, ao fim de 8 kms, era "bring it on!", e lá fui eu, no meio dos atletas todos, com muito mais experiência do que eu, claro, sempre a olhar para a frente, não pensando nos receios que tinha, mas sim no prazer que me daria ultrapassar aquilo tudo com mérito, privilegiando o poder da superação e relegando para último plano o medo de falhar. ali, naquela fase, já não poderia falhar, a minha ambição era mesmo chegar ao final, com o mínimo de danos possível...
e sim, aquele foi mesmo o último ponto complicado do percurso. ainda haveríamos de passar o rio mais uma vez, antes de chegar a vila nova de paiva, mas foi uma travessia pacífica, a mais pacífica de todas, já em terrenos "urbanos", à entrada da vila. o último quilómetro pareceu durar uma eternidade, apesar de ter sido efectuado no piso mais rápido e fácil de todos. nunca soube lidar muito bem com a ansiedade e estava, obviamente, ávido por chegar à meta. quando lá cheguei, recebi a medalha por ter cumprido a prova e verifiquei imediatamente o telemóvel para ver o meu tempo. pois bem: comecei às 9h30, terminei às 11h30, fazendo 9,5 kms (devido ao meu engano). fiquei feliz com estes resultados!
depois, comi a minha banana, bebi água, vesti o impermeável e esperei pelo final de prova da ana. quando a vislumbrei no início da recta da meta, fui imediatamente para perto da linha de chegada para a poder acolher nos meus braços e dar-lhe um merecido beijo pela prova que tinha efectuado. nos olhos dela, a mesma satisfação, o mesmo brilho por ter vencido o desafio, o tal poder de superação que nos invade quando chegamos sãos e salvos ao final daquela aventura. impagável esta sensação! a ana já me tinha dito o que tinha sentido no trail que já tinha feito em março; comprovei cada palavra que lhe ouvi ontem, ao passar precisamente pelas mesmas emoções.
foi o meu primeiro trail. tenho a certeza de que muitos mais se seguirão!
ao lado dela, nunca houve impossíveis, até porque a maior impossibilidade de todas seria eu algum dia vir a ser o seu homem! agora que o sou, porque o sentimento está bem consolidado e devidamente cristalizado, sinto-me mesmo capaz de tudo! e isso eu nunca lhe conseguirei agradecer, mesmo que viva 200 anos. tudo aquilo que ela fez por mim, esta minha "ressurreição", tem as impressões digitais dela. acordou-me, abanou-me, fez-me mexer!
posso não ter grandes certezas na vida, mas uma é garantida: farei tudo aquilo que estiver ao meu alcance para a conquistar todos os dias, para merecer este amor e este aconchego emocional que ela me dá, todos os dias. um amor assim é para a vida, é para viver com intensidade, emoção, adrenalina, volúpia, paixão... tal como uma prova de trail!
é óbvio que é para continuar!