quinta-feira, setembro 16, 2010

as palavras, essas chatas...

tenho tempo agora. talvez aproveite para escrever alguma coisa. sinto saudades de escrever, aquele escrever entusiasmado, em que uma palavra puxa outra e essa uma outra, encaixando tudo no final. escrever ao mesmo ritmo do pensamento, da formulação das ideias, do desenvolvimento de um tema.
neil hannon, líder dos divine comedy, disse em tempos que os seus melhores trabalhos foram compostos quando vivia grandes desgostos amorosos. nunca me esqueci dessa sua frase, porque imagino que, se fosse escritor de canções, seria exactamente assim. o problema é que quando tinha desgostos amorosos... não havia internet ainda. limitava-me a escrever o nome da pessoa amada nos meus cadernos e livros escolares, a fazer aqueles corações com uma seta a atravessá-los, a escrever cartas que depois, por timidez, nunca eram entregues...
com a internet, é tudo muito mais simples. hoje consegue-se encontrar toda a gente, seja no facebook, no hi5, no netlog, no my space, sem sair do conforto do lar. depois de encontrar a pessoa pretendida, é só teclar... e nem é preciso saber escrever. agora, pelos vistos, faz-se tudo com parêntesis, pontos e vírgula e dois pontos a imitar expressões faciais. aventuras como a que eu tive, aos 13/14 anos, de andar cerca de 10 quilómetros de bicicleta para tentar encontrar uma rapariga, de quem só conhecia o nome e a aldeia onde morava, tornaram-se obsoletas. tal como escrever cartas, conquistar alguém pelo poder das palavras, qual cyrano de bergerac, mostrar determinação e empenho na conquista da pessoa amada.
as palavras têm cada vez menos significado, perdendo impacto e valor. aliás, as palavras têm sido sistematicamente amputadas ao longo dos anos, seja na internet, nos telemóveis ou até mesmo no nosso dia-a-dia. se a palavra é competitividade, por exemplo, as pessoas dizem "competividade", para ser mais rápido; se uma pessoa quer saber se a outra está bem, não pergunta "estás bem?", diz somente "tá-se?". depois há os "tb", os "pq", os "qq", etc..
em suma, escrever é uma valente maçada para a maior parte das pessoas, especialmente escrever correctamente. manter um "diálogo" virtual na internet com alguém, depois de conseguir facilmente o seu mail ou a página de facebook, é agora uma tarefa ao alcance de qualquer um, mesmo que não tenha a mínima noção da língua portuguesa, escrita ou falada. bastam uns quantos "lol", umas carinhas com pontos e vírgula e parêntesis e está o assunto tratado. ainda me lembro, posso não ter grandes qualidades mas reconheço que tenho uma boa memória, de a minha primeira namorada me ter apontado um erro ortográfico na primeira carta que lhe escrevi (sim, foi apenas um!...), quando tinha 14 anos. escrevi "ei-de" em vez de "hei-de". duvido que hoje exista essa preocupação de corrigir, de alertar alguém para um erro ortográfico ou verbal. quantos "ouvistes", "fizestes", "quaisqueres" ou "há-dem" uma pessoa ouve por dia? dezenas? centenas? até fere os ouvidos.
este cenário, infelizmente, com a profusão de telemóveis, a utilização em massa da internet, as redes sociais, messenger, etc., tem clara tendência para piorar. o lema universal parece ser "abreviar, facilitar e despachar". nos dias de hoje, aquele rapaz da bicicleta e das cartas de amor não teria a mínima hipótese...

2 comentários:

A happy single mother disse...

Gostei muito deste post!!
E tens toda a razão, mas nos tempos que correm, infelizmente é mais fácil (e cómodo!) pensar: se não os consegues vencer, junta-te a eles...

Também eu tenho uns tantos cadernos velhos com esses desenhos de corações atravessados por setas, que guardo, para daqui a uns anos talvez mostrar à Leonor! Deixar que ela se ria um pouco à minha custa...

S disse...

Sou uma adepta confessa (não fervorosa) de hi5's & Cª Lda, e ainda mais de mensagens de telemóveis. Detesto a minha voz e, talvez por isso, detesto mesmo ter que atender uma chamada. Dá-me uma má disposição nervosa... Então, se pudesse tratava de tudo via sms. No entanto, tenho mensagens grátis há muitos anos. Que me lembre, já eu mandava mensagens sem parar e os outros respondiam-me bem menos para poupar o saldo. Por esta razão, digo eu, nunca tive que me adaptar ao encolher de palavras e termos. Sempre escrevi tudinho até ao fim! Graças a Deus!! Não me via a juntar-me a eles...

Agora... no que toca às cartas de amor... sou bem mais nova e todos as minhas paixões e paixonetas requeriam esses miminhos.. Sem cartas, nada feito. Tive um pseudo namorado para os lados do Porto a quem eu escrevia cartas semanais de 3 e 4 folhas!!! E ele enviava-me cartas de uma página que, depois de muita reclamação, passou a uma folha(porque estendia a letra para ocupar mais espaço..). Só durou um mês. Assim não dá!!!!

Sem querer parecer que pertenço a uma geração que não é a minha, posso assinar em baixo do que dizes e sublinhar que estas gerações mais recentes não sabem, não conhecem e não experimentam o valor das palavras... a arma que pode ser a junção bem feita de meia dúzia de palavras ebm escolhidas...