pudesse eu, com um simples toque, restabelecer toda a tua força, oxigenar-te a alma e o corpo, dar-te tudo aquilo que já não terás oportunidade de recuperar. ontem senti-me novamente pequeno ao teu lado. dei-te dois beijos na face, abracei-te, senti a tua agonia, apesar de quereres demonstrar-me que estavas preparado para tudo. eu entendi a tua intenção, não querias que me assustasse ainda mais do que já estava; mas eu não fui assim tão forte, quebrei logo à primeira palavra pronunciada. quando te deixei, assim, daquela forma, mergulhado na impotência da irreversibilidade do momento, senti-me enfraquecer aos poucos, a cada segundo, a cada passo. não consegui, depois, imitar-te na tua imagem de coragem, no teu exemplo de não quereres transformar algo mau em algo ainda pior. ao teu lado, fui filho; ao lado dos meus filhos, fui pai, apenas alguns minutos depois. tu conseguiste aguentar o que sentias; eu não. não consegui disfarçar a torrente de emoções que me inundava. creio que ela sempre esteve cá dentro, juntamente com o galopante medo de perder quem se ama, quem se respeita, quem nos deu tanto, tanto, tanto...
à noite, ao jantar, o lugar que sempre ocupas na mesa estava vazio. só podia estar. aquele que sempre se senta à tua frente na mesa sentiu essa mesma falta. foi então a vez dele ceder e de derramar grossas lágrimas pela tua falta. como eu as entendi. afinal, ele é meu filho e tem sérias dificuldades em esconder o que lhe vai pela alma. foi um jantar de família diferente, tal como vai ser amanhã, dia de páscoa, dia que para mim nunca teve significado algum, para além do facto de significar mais uma reunião familiar à mesa, aquela mesa em que sempre te sentas à cabeceira, com o teu primeiro neto à frente.
pudesse eu resgatar-te dessas quatro paredes, desse teu isolamento forçado, longe daqueles que te amam e que exigem a tua presença. não sendo possível, podes contar com todos nós amanhã, para te levarmos tudo aquilo a que tens direito. se puderes vir para casa connosco, então sim, será o melhor dia de páscoa de sempre!...