sexta-feira, outubro 16, 2009

introspecção


tenho saudades de ter saudades de alguém. uma vida assim vazia, sem o contar dos dias, das horas para se ver uma determinada pessoa, tende a cair num marasmo irrecuperável, em que nunca há nada à nossa espera em cada dia que nasce. eu gosto de ter saudades das pessoas, dos momentos que partilhei e do que elas me fizeram sentir. um ser humano, por muito misantropo que seja, carrega sempre consigo uma carga emocional, sendo que umas são naturalmente mais pesadas que outras, em função do que se viveu até agora. o presente e o futuro ainda não aconteceram. mas enquanto há pessoas que sabem perfeitamente o que lhes reserva esse presente e esse futuro, porque conhecem muito bem a "bagagem" que carregam e os créditos que granjearam ao longo da sua vida, sabendo, portanto, que nunca lhes faltará alguém de quem sentir saudades ou ansiar por um novo encontro, outras há que, se forem à janela espreitar o seu horizonte apenas contemplarão um árido deserto nesse domínio. sinto que estou neste último grupo há algum tempo já, e, sinceramente, não sei o que sentir, porque me encontro dividido, tal como sempre me senti, entre ser uma "people person", daquelas dedicadas, que fazem tudo pelos amigos, pelos amigos dos amigos, pela família dos amigos, no sentido de aumentar a sua rede de conhecimentos pessoais, e ser um completo misantropo, avesso a qualquer contacto social, mesmo os mais ligeiros, como cumprimentar alguém na rua com um simples "bom dia". aos 37 anos de idade, sinto que ainda não sei quem sou. pior: sinto que não sei o que quero ser. faça o que fizer, interpretando os dois papéis acima referidos, seja em que situação for, acabo sempre por me recriminar, por sentir que não fui eu mesmo. confuso? é capaz de ser um pouco. trata-se de um complicado caso de bipolaridade. a questão é esta: em que circunstâncias é que sou eu mesmo, sem hipocrisias, sem tiques artificiais para impressionar, sem arrogâncias estéreis ou laivos de superioridade? ou eu sou realmente assim, com todas as características que apontei? será que tenho um feitio tão insuportavelmente cretino e cabotino que, a pouco e pouco, afugento toda a gente à minha volta? se me é permitido responder às minhas próprias perguntas, eu acho que sim. analisando os últimos quinze anos da minha vida, em termos puramente sociais, é muito mais fácil contabilizar as pessoas que ficaram pelo caminho do que aquelas que conheci e com quem desenvolvi algum tipo de relação de amizade. portanto, a conclusão é bastante fácil de tirar. sendo eu, ainda por cima, uma pessoa pouco talhada para impressionar alguém nos primeiros encontros, devo ser a pessoa com maior número de piores "primeiras impressões" à superfície da terra, falhando geralmente os "mínimos" para garantir, pelo menos, uma "segunda impressão", sinto que estou, irremediavelmente, num beco sem saída. são já muito poucas as pessoas que leram o meu manual de instruções e decidiram "comprar o produto". por coincidência, ou não, como estamos no outono, aos poucos a minha árvore vai ficando sem folhas. elas vão caindo, uma a uma, levando com elas a irreversibilidade do momento em que conseguem soltar-se, precipitando-se numa queda aliviada para o chão. aqueles tempos em que, como pessoa ansiosa que sou, contava os dias que faltavam para me encontrar com amigos já lá vão. tenho que me render às evidências. falhei redondamente neste aspecto da minha vida, tal como noutros. sou obrigado a reconhecer que ainda não tenho uma personalidade devidamente estabilizada e coerente para me "soltarem" na sociedade. se eu fosse um computador, aceitaria, por esta altura, um "reset" total ou, em último caso, que me devolvessem à fábrica, por manifesto erro de fabrico. como não sou um computador, resta-me agradecer às pessoas que me fizeram chegar a esta conclusão. porventura, demorei tempo demasiado a aceitá-la, mas esta é uma consequência natural de quem luta diariamente com duas personalidades diferentes: aquela que queria ter e a que realmente tenho.