quarta-feira, outubro 17, 2007

a famosa transição

de vez em quando sinto mesmo vontade de fumar. por causa de todo aquele ritual, procurar o isqueiro nos bolsos, abrir o maço, tirar um cigarro, acendê-lo, virar a cara para um dos lados, ou para cima, para deitar fora o fumo. chateia-me chegar todos os dias ao café, depois de almoço, pousar a carteira, os óculos de sol e o telemóvel na mesa, e ficar... a olhar lá para fora. ou levo algo para ler ou então não tenho mesmo nada para fazer, a não ser esperar pelo café e ficar meia hora a mexer o açucar. se fumasse, como 80% das pessoas que frequentam aquele café, sentir-me-ia certamente mais integrado. depois porque fica sempre muito bem juntar um cigarro e todo aquele fumo a uma expressão de sofrimento interior, a uma cara amargurada e vivida, profundamente conhecedora e resignada ao seu metro quadrado da sociedade. as tipas devem derreter-se todas com este género de homens. assim ao jeito do jeff bridges em "os fabulosos irmãos baker": frio, distante, deslocado, contrariado, que parece estar zangado com toda a gente. com esta descrição lembrei-me também do dr. house. ele é isto tudo, mais sarcástico, irónico e corrosivo, mas, no entanto, as mulheres adoram-no. voltando ao meu "train of thought", acho que as mulheres não têm tanta consideração e respeito por uma pessoa que está constantemente a rir-se. detestam palhaços ou serem vistas ao lado dos "bobos da corte". por outro lado, acham apelativo o aspecto de "in constant pain" dos homens. isto faz-me lembrar um episódio de "seinfeld", em que george costanza, quando sai pela primeira vez em "double date" com a nova namorada e com jerry e elaine, pede a este que não seja engraçado, para ele poder brilhar mais intensamente com as suas piadas. jerry acede e durante o jantar mostra-se depressivo e distante. só que o tiro sai pela culatra a george, visto que a sua namorada se apaixona por jerry, precisamente por ele aparentar aquelas características. pois, as mulheres não são todas iguais, obviamente. umas conquistam-se pelo humor, seja ele brejeiro, boçal e saloio (para umas, a maior parte infelizmente), ou inteligente e mordaz (para outras). mas outras querem analisar tudo, fazer de psicólogas e ajudar as almas mais empedernidas e sofredoras. querem marcar a diferença, ser diferentes, porque não vão ajudar muito uma pessoa já de si bem disposta. daí escolherem os homens mais sérios, mais circunspectos, mais ponderados e não aqueles que podem estragar um momento mais íntimo com uma piada estúpida qualquer e quebrar o ambiente. e há homens que sabem perfeitamente que isto é mesmo assim, daí exagerarem por vezes naquela postura forçada de ar sério. no meu tempo, ou seja, no tempo em que eu até frequentava discotecas, bares e pubs, em que tinha alguma vida nocturna, os homens que estavam declaradamente no engate eram aqueles com ar sério, bebida numa mão, cigarro na outra, que nunca se riam e falavam o menos possível. os outros, grupo de que eu fazia parte, estavam mais ocupados a tentar divertir-se com os amigos e a soltar gargalhadas estridentes. pois bem, no final da noite, ou começo do dia, eram quase sempre os tais carrancudos sérios que "sacavam" alguém. porquê? porque trabalharam para isso. that's why. há muitos homens que jogam esse jogo, que sabem as regras de cor e salteado. o facto de fumarem faz aumentar exponencialmente as opções de abordagem, nomeadamente com a sempre popular "tens lume que me arranjes?", ou "posso-te cravar um cigarro?". felizmente, e realço este felizmente, há muitas mulheres que vêem para além disto. também é sempre muito mais difícil para o homem mais brincalhão fazer a transição correcta de um momento de empatia a dois para um momento íntimo. neste aspecto, lembro-me sempre desse grande filme chamado "sideways", em que paul giamatti gora a hipótese de uma noite de paixão com virginia madsen, depois de uma envolvente conversa a dois sobre vinhos. quando é que se deve deixar de dizer piadas? eu nunca soube. por isso, especialmente quando estou mais nervoso, metralho tiradas parvas e estúpidas, sendo que, a maior parte delas, só eu as entendo. no meio de tudo isto, deste magnífico e inconsequente texto, ainda estou para perceber como é que eu consegui fazer a famosa transição quando a oportunidade surgiu. talvez pergunte lá em casa...

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