terça-feira, julho 03, 2007

crónica de uma viagem a piódão


um fim de semana cheio de calor é sinónimo de praia, mar, piscinas e tudo o que sirva para nos refrescarmos e combatermos a intensa canícula. e este fim de semana foi particularmente quente, abafado, chato e irritante, em que apetece dizer, de 2 em 2 minutos, "nunca mais chega o inverno". pois bem, no sábado passado "fugimos" aos clichés e fomos para a serra.
lá em casa "discute-se" amiúde um destino de fim de semana para se ir passar um dia com os filhotes, uma espécie de saída da normalidade vigente que nos encerra no círculo vicioso "casa-trabalho-casa" durante a semana. há uns meses atrás fomos a conimbriga, óbidos, foz do arelho e caldas da rainha. também já andamos pelo norte (amarante, mirandela) e perto da fronteira (trancoso, figueira de castelo rodrigo).
desta vez a minha mulher sugeriu piódão. quando eu lhe perguntei onde era, ela diz-me que era na zona da serra da estrela. o panorama ficou negro imediatamente, tendo em conta que eu tenho pavor a alturas e tenho vertigens na mesma medida em que o tony ramos tem pelos no corpo. notei que a minha mulher percebeu os meus receios (ela sabe, há quase duas décadas, que eu sou assim) e que já estava resignada a que a sua sugestão caísse por terra. incomodado com esta minha "paranóia", decidi-me a enfrentar os meus medos e a avançar, sabendo que estava a transmitir uma mensagem de grande heroicidade, assim ao mesmo nível do príncipe harry quando insistiu na sua ida para o iraque. fui logo pegar no mapa de estradas, para definir uma rota, e fiquei em êxtase quando vi que o piódão ficava a poucos quilómetros de oliveira do hospital e que já ficava algo distante da serra da estrela. "na serra da estrela o tanas. tens cada uma...". saímos de casa no sábado de manhã, para um passeio que ia ser "canja", que se fazia "com uma perna às costas", que ia ser "trigo limpo farinha amparo" (pronto, já esgotei os lugares comuns todos).
viseu, nelas, seia, oliveira do hospital. tudo corria bem. a mariana dormia na sua cadeirinha, o pedro sempre atento à estrada, até parecia que ia ele a conduzir, a paula consultava o mapa. cerca de uns dez quilómetros depois de oliveira do hospital, deparámo-nos com duas hipóteses para seguirmos a nossa rota: ou ir por vide, ou por avô. baralhados, acabamos por perguntar qual seria o trajecto mais rápido para o piódão. um vendedor de pão, estacionado à beira da estrada, logo nos disse para irmos por vide (sendo logo corroborado pelas quatro clientes atrás dele, que se colaram ao carro) e que, numa povoação que iríamos encontrar logo a seguir, ponte das três entradas, teríamos uma placa a indicar piódão à direita. o homem, que nunca mais se calava, começou a falar em vários santuários e capelas religiosas que se poderiam ver pelo caminho, que ele apelidou de rota panorâmica. ouvindo isto, a "tal rota panorâmica", logo disse à paula para irmos por... avô, que, embora fosse mais distante, afastar-nos-ia das capelas e santuários que por norma são sempre construídos em locais com grande altitude. mas como estávamos desejosos de chegar o mais rapidamente possível e ainda nem sequer tínhamos almoçado, avançamos por vide. a partir do momento em que deixamos o homem das indicações para trás (e as suas quatro clientes) e nos metemos à estrada, começou uma das piores horas de toda a minha existência.
ponte das três entradas. bela localidade! à esquerda dizia vide, à direita dizia, como o homem referira, piódão. de referir que foi apenas aqui que apareceu, pela primeira vez, uma placa com o nome da aldeia típica. fomos pela direita, convencidos que seria mais rápido. a fome apertava, a mariana podia acordar e querer comer também, nós estávamos já maçados da viagem, o calor apertava... de notar que, na ponte das três entradas, como o próprio nome indica, havia uma ponte e um evidente rio a passar por baixo dela. portanto, nada de alturas, nada de vertigens, por enquanto. ainda por cima, nós sabíamos que piódão também tinha um rio e que tinha inclusivamente, no ano passado, uma praia fluvial, entretanto destruída por uma enxurrada. como é natural, começamos a acreditar que estaríamos a chegar. mas não. isso era totalmente falso! começamos então a subir vertiginosamente. estrada horrível, apertada, cheia de curvas e contra-curvas, não se via ninguém. sempre a subir. sempre a subir. o carro, com o ar condicionado ligado, começava a aquecer, eu começava a "aquecer", mais ainda quando, na presença de placas indicadoras de localidades, em que havia sempre duas hipóteses, a de continuar a subir, ou descer, o raio do piódão era sempre para cima. "mas como?", perguntava eu, "se aquilo tem rio". e subíamos, e continuávamos a subir. mais uma placa: piódão para cima. sempre para cima. já estávamos em plena serra do açor.
até que chegamos a... nada. nada mesmo. só se avistavam montes, numa distância de 10/15 quilómetros, viam-se as ventoínhas dos parques eólicos lá longe, carros e pessoas nada, zero, placas nem vê-las, terras e casas também não. mas continuamos a andar, ao meu lado direito, escarpas vertiginosas, ribanceiras enormes, nem me atrevia a olhar para o lado, encostava-me o mais possível à minha esquerda (como se estivesse a conduzir em inglaterra), porque dava perfeitamente para ver que não vinha lá carro algum. e andamos nisto uns bons 20 minutos, convencidos de que ainda teríamos que fazer a estrada toda que visualizávamos (uns bons 15 quilómetros), passar os montes e começar, entretanto, a descer para se vislumbrar algum sinal de vida. subir, pensava eu, já não dava mais (soube mais tarde que estivemos a 1200 metros de altitude e que esta zona, a dos montes, ribanceiras, pedras e mais nada, se chama "portas do inferno"). até que, do nada, surgem umas placas. para a frente, arganil, e, pasme-se, para CIMA, piódão. pronto, ia-me dando um ataque. PARA CIMA? como é possível? é no céu o piódão? lá fui eu, ainda mais contrariado e furioso, a subir outra vez. uns 300 metros mais à frente, começamos a descer, vertiginosamente. lá ao fundo, bem lá ao fundo, lá estava o piódão. a estrada ainda era pior, esburacada, mais estreita ainda, mas estávamos contentes por ver, finalmente, a afamada aldeia típica.
lá chegados, e ultrapassados todos aqueles obstáculos (convém referir mais uma vez que tenho pavor a alturas e vertigens para dar e vender), começou a pairar na minha mente uma nova preocupação: "e agora como é que vamos sair daqui?", sabendo que para chegar lá tivemos que descer e para sair tínhamos obviamente que subir (outra vez). pela mesma estrada? nem pensar. havia apenas mais uma hipótese, ou estrada, como quiserem: para vide e covilhã (covilhã, sim, a mesma covilhã da serra da estrela!). estava eu imbuído nesta minha nova preocupação, quando um simpático senhor (aliás, como o foram todas as pessoas que conhecemos em piódão), nos perguntou se queríamos almoçar e nos indicou prontamente... o seu restaurante. depois de aceite o "convite", questionei o senhor sobre a estrada vide/covilhã, no sentido de aferir se ainda teria que "levar" com mais alturas vertiginosas, se teria mesmo que ir parar à covilhã ou, em último caso, de voltar para trás pela mesma estrada por onde vim. a sua resposta foi o "the end" da tal "pior hora de toda a minha existência". disse-nos que, chegados a vide, poderíamos escolher a direcção de coimbra. e mais: que na estrada de saída do piódão só iríamos apanhar uns dez quilómetros de serra, que depois seria tudo bastante mais plano e rasteirinho. digo-vos, se não tivesse sabido isto antes de almoço, a comida nem sequer passaria pela minha garganta, tal o grau de aterrorização em que estava.
a partir daqui, do almoço, foi sempre tudo... excelente. aliás, esta será certamente uma das razões que leva as pessoas a dizerem maravilhas do local: custa tanto lá chegar, que quando se lá chega dá-se muito mais valor ao sítio. comemos bem, fomos muito bem atendidos (e já eram 15h00), no final o tal senhor simpático (que me chamou de "patrício", o que nunca me tinha acontecido) ofereceu-me um cálice de um licor da região, de zimbro com mel, e eu, para me sentir bem comigo mesmo (já que o homem me tirou um peso enorme da cabeça), comprei-lhe duas garrafas. depois visitamos a aldeia, o museu, o posto de turismo, a lindíssima igreja e a, infelizmente, destruída praia fluvial. mas saímos de lá revigorados. pessoas simpáticas, boa comida, boa bebida (bebemos um monte velho esporão ao almoço) e um excelente e acolheder ambiente.
saímos do piódão por volta das 18h00, em direcção a vide. passamos por chãs de égua, um outro pólo de turismo rural. a descompressão total, em termos de alturas, deu-se em vide, uma bonita terra, dividida ao meio por um rio. depois alvoco das várzeas, outra lindíssima terra, sempre à beira rio. aconselho vivamente este percurso entre vide e alvoco das várzeas. quanto a piódão, quero voltar lá, mas nunca pela estrada por onde fui.

2 comentários:

tulipa_negra disse...

lol que relato fantástico! deve ter sido cá uma aventura!
adoro o piódão! é dos sítios mais bonitos que visitei por cá...

beijocas

Filipe disse...

Olha olha.. o piodão... aquela a quem eu chamo.. o casario das bonecas! (sim, pq vito la de cima... do alto, parecem miniaturas de casas). Fui ai uma vez e fiquei rendido... a serra mais proxima é a do Açor.. nada da Estrela :). Já passaram uns anitos desde quando ai fui... bem antes do incendio recente q por la passou.
Lá andei pelas ruelas da aldeia... mt bem conservada, diga-se... la apanhei um susto e andei a contar o dinheirinho odo qd fiquei a saber q nao havia multibanco por aquelas paragens... lá fui tomar cafe à pousada do Inatel... lá jantei no unico restaurante do piodão... lá trouxe um recuerdo em xisto... la fiz uma caminhada ate à praia fluvial (2h ida e volta)... enfim... foi mt bom!
Ah.. e ao contrario de ti... adoro aquelas estradas serra acima... olhar e ver aquelas aldeolas lá no fundo!