o momento mais complicado no dia-a-dia de uma pessoa é o primeiro olhar no espelho depois de acordar. o espelho mostra-nos o nosso contrário, a nossa esquerda na nossa direita, mas este é o limite máximo da sua dissimulação. fora isso, ele é de uma franqueza brutal e irrevogável. é de manhã, naquele momento em que ainda estamos amarrotados pelo sono, que estamos mais vulneráveis. queremos encontrar uma imagem reflectida no espelho que nos dê algum alento para iniciar o dia. ao contrário, apenas encontramos um rosto abatido, cada vez mais velho, e do qual estamos francamente já muito fartos de ver. ao procurar algum consolo no nosso espelho todos os dias, estamos inconscientemente à espera de ver outra coisa, como se o sono de oito horas que acabamos de ter fosse de alguma forma regenerador e embelezador. não o é, de forma alguma. quando as luzes da casa de banho são ligadas e os nossos olhos procuram a nossa imagem no espelho não aparece, infelizmente, o george clooney ou o clive owen. quando muito aparece um nicolau breyner ou um josé carlos malato. é por isso que o espelho é um instrumento diabólico, que destrói todos os dias as nossas fantasias. a nossa esperança é a tecnologia: mais tarde ou mais cedo vão inventar um espelho digital, que não se limitará a reflectir a nossa imagem, vai antes captá-la e transformá-la em impulsos electrónicos, que poderão depois ser manipulados pelo utilizador, tipo photoshop. no painel do espelho digital existirão duas teclas: "a verdade" e "escolha você mesmo". carregando nesta última opção, teremos à nossa disposição um vasto menu de opções, mais reconfortantes, como "rodrigo santoro", "wentworth miller, "clive owen", "george clooney", "brad pitt", "jude law", "keanu reeves", ou "johnny depp". como seria diferente sair de casa com a sensação de que somos tal e qual o clive owen? fazia bem à auto-estima, teríamos certamente mais confiança em nós próprios, trabalharíamos mais animados e até mandaríamos uns piropos à chefe da redacção. isto se ela também tiver em casa um espelho digital e tenha optado nesse dia pela cara da eva green...
enquanto não for possível aceder a este milagre da tecnologia, cá vamos aguentando a mesma cara todos os dias, assistindo ao seu envelhecimento, ao aparecimento de mais rugas, do segundo queixo e dos cabelos brancos, ao desaparecimento de mais cabelo, ao aumento progressivo das entradas, a pele cada vez mais sêca. não é fácil conviver com a mesma cara todos os dias...
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