gosto de ser estimulado a mostrar o melhor de mim.
lembro-me de ter gostado muito dessa sensação em 1984...
terça-feira, maio 29, 2012
sábado, maio 19, 2012
olhares
depois de em 2010 ter aberto conta no flickr (http://www.flickr.com/photos/josealbertolopes/), abri recentemente uma conta no site olhares (http://olhares.sapo.pt/josealbertolopes). é mais um "escape", uma forma de expressão através da fotografia, onde predominam as nuvens, o céu, a água e as árvores, bem como várias perspectivas da minha cidade, viseu, e da sua natural fotogenia.
espero que gostem!...
sexta-feira, maio 18, 2012
perfume genius - dirge
Boys that held him dear,
Do your weeping now,
All you loved of him lies here,
Do your weeping now.
Brought to earth the arrogant brow,
And the withering tongue,
Do your weeping now.
Sing whatever songs are sung,
Wind whatever wreath,
For a playmate perished young,
For a spirit whose spent in death.
Boys that held him dear,
Do your weeping now,
All you loved of him lies here,
Do your weeping now.
perfume genius
desde o disco "i am a bird now", de antony and the johnsons, que não ouvia algo tão pungente e depressivamente belo. este é um daqueles discos que se ouvem do início ao fim, como se se tratasse de um filme, sem saltar temas menos bons ou músicas que consideramos deslocadas da linha musical que estamos a vivenciar. "put your back n 2 it" é o segundo disco de perfume genius, nome artístico do projecto de mike hadreas, lançado em fevereiro deste ano.
a 7 de julho, perfume genius vai estrear-se em portugal, no festival super rock super bock. em baixo, podem ouvir quatro músicas deste excelente disco, que teve 8.4 em 10 no site pitchfork:
"Put Your Back N 2 It is an album about love-- what happens when we feel sheltered by it, how we fail to love ourselves and the people around us-- but amidst the heartache and bruised tenderness, there's hope, too. Hadreas sums it all up in the hollowed-out torch song "No Tear": "I will carry on with grace (...) On Put Your Back N 2 It, there's a crack of light coming through the darkness".
perfume genius - put your back n 2 it
Put your back into it
There is still grace in this
Let me be the one to turn you on
There is love with no hiding
Nothing you show me I will never need
Let me be the one to turn you on
domingo, maio 13, 2012
glória em cinco minutos para o manchester city
aos 70 minutos, quando comecei a ver o jogo, estava o qpr a vencer por 2-1 e a jogar com dez jogadores. o city atacava desesperadamente, tinha 80% de posse de bola, 23 remates contra 3, mas o tempo ia passando e a desvantagem atribuía o título ao united, que vencia no terreno do sunderland. nas bancadas, o desespero do público ia aumentando à medida que o tempo se ia esgotando. mancini parecia uma "barata tonta" a dar indicações aos seus jogadores, que pareciam não ter soluções para ultrapassar o bloco defensivo do qpr, orientado por mark hughes, precisamente o técnico que mancini foi substituir no city e que, enquanto jogador, se notabilizou ao serviço do manchester united. com 1-2 no marcador, o jogo chegou aos 90 minutos. o árbitro dá cinco minutos de descontos.
a cinco minutos do final do jogo em manchester, o united era campeão. o city perdia em casa e ninguém esperaria que em cinco minutos conseguisse fazer o que não tinha conseguido nos vinte anteriores, ou seja, marcar dois golos. o que se passou a seguir vai ser lembrado, tenho a certeza, durante anos e anos, tal como ainda me recordo do célebre golo de michael thomas, no último minuto, que deu o título ao arsenal, em 1988/89, em detrimento do liverpool. aos 91m, dzeko marcou de cabeça, na sequência de um canto. com o 2-2, os adeptos começaram a acreditar que ainda era possível. aos 94m, aguero entrou na área, contornou um defesa do qpr, fugindo até à tentação de se fazer ao penalty, e rematou para o fundo da baliza. 3-2. título para o manchester city, 44 anos depois da última vitória na liga. inesquecível, sem dúvida alguma. é por momentos como estes que é tão gratificante gostar de futebol. nem estava a torcer pelo city, mas o semblante dos seus adeptos, no antes e depois, do desalento à euforia em cinco minutos, comoveu-me e, no final, até fiquei contente pelo título. e ainda por cima o queen's park rangers não desceu, apesar da derrota. no final, o segurança, que permitiu, enfim, tudo isto, todas estas emoções, referiu que o título era justo. concordei com ele. afinal, o city venceu os dois jogos contra o united e num deles até goleou (1-6). glória para os novos campeões!
quinta-feira, maio 10, 2012
inconsequência
acho que nunca vou ser capaz de entender a lógica que define o destino do meu
próprio mundo. sou constantemente atropelado por seguir um caminho de onde já
estão a regressar todas as outras pessoas. se for eu a descobrir outro caminho,
sou derrubado e ultrapassado por toda a gente que quer chegar mais rápido. não
encontro conforto na intermitência da minha vida social, nos esporádicos e
breves contactos, na fugacidade dos encontros, na competitiva troca de palavras
em que se coloca em confronto a miserabilismo da condição humana, na ansiedade
de uma próxima vez, nos imponderáveis silêncios e afastamentos, na incerteza do
próximo dia. mas recuso, ao mesmo tempo, fazer a auto-promoção necessária para
abrir novas portas, nadar em oceanos em vez de rios, percorrer estradas em vez
de caminhos...
desta forma, continuarei a definhar, dia após dia, na minha inconsequência, num mundo (o real e o virtual) que nunca chega a parar para eu, finalmente, entrar. dia após dia, a mesma ânsia de culpabilização interior, o desboroar lento e previsível de uma indómita vontade de encaixar em algum lado, de fazer parte de alguma coisa. vou escurecendo lentamente, transformando ímpetos em poeira e potenciais sorrisos em taciturnos semblantes, coarctando a minha própria boa vontade. trago comigo, sempre, os meus melhores amigos, a ironia e o sarcasmo, para me defenderem de qualquer invasão ou tentativa de aproximação exterior. se o mundo é um oceano, eu não sei claramente nadar; e quando aprender, tenho a certeza que deixará de existir água... voltarei a chegar tarde demais, como sempre.
será sempre esta a minha grande dúvida: não me consigo ou não me quero integrar?
desta forma, continuarei a definhar, dia após dia, na minha inconsequência, num mundo (o real e o virtual) que nunca chega a parar para eu, finalmente, entrar. dia após dia, a mesma ânsia de culpabilização interior, o desboroar lento e previsível de uma indómita vontade de encaixar em algum lado, de fazer parte de alguma coisa. vou escurecendo lentamente, transformando ímpetos em poeira e potenciais sorrisos em taciturnos semblantes, coarctando a minha própria boa vontade. trago comigo, sempre, os meus melhores amigos, a ironia e o sarcasmo, para me defenderem de qualquer invasão ou tentativa de aproximação exterior. se o mundo é um oceano, eu não sei claramente nadar; e quando aprender, tenho a certeza que deixará de existir água... voltarei a chegar tarde demais, como sempre.
será sempre esta a minha grande dúvida: não me consigo ou não me quero integrar?
os cafés curtos desta vida
a distância pode ser cruel e, por vezes, intolerantemente dolorosa. no entanto,
acredito que a saudade embeleza os sentimentos, ajuda a moldá-los da forma
correcta. perdemos muito tempo a contemplar o que já vivemos, a recordar quem
nos faz falta. vagueamos pelas ruas e conseguimos facilmente vislumbrar nos
semblantes das outras pessoas o mesmo aspecto carregado de saudosismo.
toda a gente sente a falta de alguém. toda a gente faz falta. é um fenómeno de massas. há pessoas que passam por nós diariamente, seja um carteiro, um polícia ou um estafeta, que certamente estará a fazer falta a alguém. todavia, a nós não nos dizem nada, literalmente. aliás, muito dificilmente me dirão algo, na medida em que, diariamente, exceptuando o trabalho, só comunico basicamente com empregados de café.
o tempo que passamos longe das pessoas de quem gostamos é interminável. por outro lado, o tempo que gastamos, ou perdemos, com pessoas que não nos dizem nada é uma monstruosa amargura. os dias passam e a frieza dos minutos, das horas a passar tornam-nos cada vez mais azedos, mais tristes. é muito fácil deixarmo-nos viciar pela tristeza, pela depressão. por vezes até é cómodo. é uma desculpa, como outra qualquer, para não funcionarmos, para vegetar.
há certamente pessoas com quem queremos estar, que querem estar connosco. mas quando olhamos à volta, vemos que não são aquelas que nos rodeiam. o mesmo sucederá com as outras pessoas em relação a mim... e por aí adiante. é praticamente um genocídio sentimental. e continuamos a perder tempo, dias, semanas, meses, sempre a ansiar por um reencontro, um regresso.
há quem acredite que a partir de uma certa idade se perde o luxo de ter amigos só por amizade. inventam-se novas categorias: "amigos de amigos", "amigos de familiares", "amigo que dá jeito porque eu não faço ideia de como se compõe uma persiana", "amigo que um dia me pode ser muito útil quando quiser abrir uma loja de peças para torradeiras", "amigo que me leva o carro à inspecção todos os anos se eu lhe pedir", etc.. a vida "obriga-nos" a alargar os nossos horizontes em termos sociais, dando especial relevo à via profissionalizante desses nossos contactos.
infelizmente, ou felizmente, ainda não decidi, não enveredei por essa prática. como já referi, o meu "público" são as funcionárias e os funcionários dos cafés e restaurantes. o resto do meu tempo é... para o saudosismo. nunca tive vocação nenhuma para estabelecer qualquer tipo de cumplicidade com desconhecidos. até fujo desse tipo de situações. por isso, abracei a solidão, habituei-me a ela. dessa forma, evito ser avaliado ou julgado, ou estar numa posição desconfortável de tentar agradar a alguém. os amigos que (ainda) tenho já vêm de longe e é deles que tenho saudade.
há quem endeuse esta palavra (saudade), mas ela é apenas o sinal evidente de que há qualquer coisa que não está bem. ou seja, alguém não está onde devia estar. simplesmente! saudade é amor ou amizade que se gasta sem proveito, provavelmente enquanto estamos a almoçar sozinhos numa esplanada qualquer, em silêncio, pensando que poderíamos estar a ter uma conversa estimulante com um amigo. ao invés, estamos enclausurados num básico "boa tarde, queria um café curto, se faz favor" (café esse que nunca, mas nunca mesmo, vem como a gente o pediu, ou seja, curto), provando que metade do que dizemos não se ouve mesmo (e eu já digo tão pouco...).
e o tempo vai-se gastando... sem piedade. fica, como consolação, o facto de imaginarmos que, algures, a 100 metros, a 10 ou a 800 quilómetros, haverá alguém a sentir o mesmo por nós. só espero que tenha mais sorte do que eu em relação ao café curto...
toda a gente sente a falta de alguém. toda a gente faz falta. é um fenómeno de massas. há pessoas que passam por nós diariamente, seja um carteiro, um polícia ou um estafeta, que certamente estará a fazer falta a alguém. todavia, a nós não nos dizem nada, literalmente. aliás, muito dificilmente me dirão algo, na medida em que, diariamente, exceptuando o trabalho, só comunico basicamente com empregados de café.
o tempo que passamos longe das pessoas de quem gostamos é interminável. por outro lado, o tempo que gastamos, ou perdemos, com pessoas que não nos dizem nada é uma monstruosa amargura. os dias passam e a frieza dos minutos, das horas a passar tornam-nos cada vez mais azedos, mais tristes. é muito fácil deixarmo-nos viciar pela tristeza, pela depressão. por vezes até é cómodo. é uma desculpa, como outra qualquer, para não funcionarmos, para vegetar.
há certamente pessoas com quem queremos estar, que querem estar connosco. mas quando olhamos à volta, vemos que não são aquelas que nos rodeiam. o mesmo sucederá com as outras pessoas em relação a mim... e por aí adiante. é praticamente um genocídio sentimental. e continuamos a perder tempo, dias, semanas, meses, sempre a ansiar por um reencontro, um regresso.
há quem acredite que a partir de uma certa idade se perde o luxo de ter amigos só por amizade. inventam-se novas categorias: "amigos de amigos", "amigos de familiares", "amigo que dá jeito porque eu não faço ideia de como se compõe uma persiana", "amigo que um dia me pode ser muito útil quando quiser abrir uma loja de peças para torradeiras", "amigo que me leva o carro à inspecção todos os anos se eu lhe pedir", etc.. a vida "obriga-nos" a alargar os nossos horizontes em termos sociais, dando especial relevo à via profissionalizante desses nossos contactos.
infelizmente, ou felizmente, ainda não decidi, não enveredei por essa prática. como já referi, o meu "público" são as funcionárias e os funcionários dos cafés e restaurantes. o resto do meu tempo é... para o saudosismo. nunca tive vocação nenhuma para estabelecer qualquer tipo de cumplicidade com desconhecidos. até fujo desse tipo de situações. por isso, abracei a solidão, habituei-me a ela. dessa forma, evito ser avaliado ou julgado, ou estar numa posição desconfortável de tentar agradar a alguém. os amigos que (ainda) tenho já vêm de longe e é deles que tenho saudade.
há quem endeuse esta palavra (saudade), mas ela é apenas o sinal evidente de que há qualquer coisa que não está bem. ou seja, alguém não está onde devia estar. simplesmente! saudade é amor ou amizade que se gasta sem proveito, provavelmente enquanto estamos a almoçar sozinhos numa esplanada qualquer, em silêncio, pensando que poderíamos estar a ter uma conversa estimulante com um amigo. ao invés, estamos enclausurados num básico "boa tarde, queria um café curto, se faz favor" (café esse que nunca, mas nunca mesmo, vem como a gente o pediu, ou seja, curto), provando que metade do que dizemos não se ouve mesmo (e eu já digo tão pouco...).
e o tempo vai-se gastando... sem piedade. fica, como consolação, o facto de imaginarmos que, algures, a 100 metros, a 10 ou a 800 quilómetros, haverá alguém a sentir o mesmo por nós. só espero que tenha mais sorte do que eu em relação ao café curto...
padrões e valores morais
serei alguma vez capaz de atingir os meus próprios padrões em termos de
personalidade? é complicado estabelecer comparações e juízos de valor sobre uma
pessoa quando verificamos que padecemos dos mesmos defeitos. a rita (nome
fictício de marta) é intriguista, básica, fútil, hipócrita, tem mau hálito e um
hábito terrível de citar fernando pessoa sempre que lhe perguntam o que quer de
sobremesa. tudo bem, a rita pode ser isto tudo, mas é fabulosamente agradável em
termos visuais. o rafael (igualmente nome fictício de marta, curiosamente) deve
sentir-se mal por ser amigo dela? por preferir as virtudes físicas às virtudes
morais? por deixar arrastar uma "amizade" que nada de psicologicamente
estimulante lhe oferece? se analisarmos estas últimas três pertinentes questões
pelo lado masculino, chegamos à conclusão de que o rafael quer, efectivamente,
apenas "saltar para a cueca" da rita. ou então nem tanto, tendo em conta o tal
problema do mau hálito da rapariga, quer apenas ser visto com ela, ser invejado
pelo resto da sua espécie. o rafael criou durante largos anos, baseando-se em
revistas, programas nocturnos com bolinha vermelha no canto superior direito e
na sua professora de inglês do 8º ano, um consistente ideal de beleza. na sua
transição da adolescência para a vida adulta, conheceu centenas de mulheres,
umas mais inteligentes, outras mais atraentes, sempre com os mesmos padrões
físicos embutidos no cérebro. depois de uma interminável travessia pelo deserto
(em sentido figurado, claro, porque ele não conseguiu os mínimos para participar
no rally lisboa dakar), rafael conheceu rita. dois segundos depois, a sua libido
deu cambalhotas de contentamento. dois minutos depois, a libido foi-se deitar
novamente, por manifesto cansaço. meia hora depois, a libido acordou porque
alguém estava a bater à porta, mas era engano. ou seja, o estímulo visual criado
pela rita foi-se desvanecendo com o tempo e o pobre do rafael começou a ficar
dividido. ouvir horas e horas de conversas fúteis e insípidas só porque ela é
efectivamente uma "brasa" ou continuar a procurar alguém que reúna as vertentes
psicológica e física num só corpo? pepsi ou coca-cola? fifa 2008 ou pro
evolution soccer 2008? conan 0'brien ou jon stewart? miguel sousa tavares ou
vasco pulido valente? pois, o rafael não sabe o que fazer. chega a sentir-se mal
ao lado da rita porque sente que está a atraiçoar os seus próprios valores e
padrões. sente que não é aquilo que ele representa. sente que poderia
perfeitamente estar a ter conversas muito mais interessantes e estimulantes com
outras pessoas, que poderia estar a cultivar-se e a aprender. a rita, por sua
vez, gosta muito de estar com o rafael, acha que ele é boa pessoa, com um
sentido de humor um bocado esquisito (que ela muitas vezes não entende mas sorri
na mesma para mostrar que percebeu a piada) e umas referências musicais e
cinematográficas estranhas (cinema europeu? isso existe?). no entanto, ao mesmo
tempo também acha que o rafael é intriguista, básico, fútil, hipócrita, tem mau
hálito e um hábito terrível de assobiar o refrão da música "the final
countdown", dos europe, antes de tomar café.
"já não temos vagas"
este texto surge porque senti que vos devia algumas palavras, como "frigorífico", "estendal" e
"capacete". a minha vida continua a ser a mesma sucessão de quintas-feiras, sem
que nada de particularmente interessante ou especial me aconteça. continuo a
cumprimentar as pessoas e a ficar com a sensação de que elas não respondem aos
meus "bons dias" e "boas tardes" (já nem digo "boas noites" porque já não saio à
noite desde que foi proclamada a república), continuo com a impressão de que sou
sempre mal atendido nos cafés e restaurantes onde entro pela primeira vez (por
isso tento sempre frequentar os mesmos sítios em viseu - pastelaria lobo e
restaurante amarelinho), continuo a chegar e a sair sempre a horas ao trabalho,
embora por vezes o patronato merecesse que eu entrasse às 15h e saísse às 15h30,
e continuo à espera que algo de bom me aconteça, todos os dias. acho que toda a
gente parte para um novo dia com esse pensamento na cabeça. "e se hoje surgisse
uma proposta de emprego aliciante?", "será que me vão pagar hoje?", "conseguirei
arranjar estacionamento hoje no centro histórico à hora de almoço?". no fim do
dia, antes de preparar mentalmente o dia seguinte (o que não é muito difícil),
faz-se o balanço e, se não tiver acontecido nada de relevante, arrumamos as
memórias das últimas 24 horas no fundo do cérebro, ao lado do cubo mágico, da
bota botilde e do spectrum zx, e ansiamos rapidamente pelo próximo dia. é claro
que o meu objectivo nunca foi conhecer uma pessoa nova por dia, embora reconheça
que é um excelente objectivo, sobretudo para quem trabalha atrás de um balcão
numa repartição pública, mas se calhar, e colocando o dedo na ferida, fazia-me
bem conhecer pessoas novas, sobretudo daquele tipo de pessoas que não me irrita
automaticamente quando se mexe ou abre a boca. acreditem, já conheci muitas
dessas. não me interpretem mal, o problema não são as pessoas que conheço, as
que já fazem parte do meu pequeno círculo de amizades, essas são interessantes o
suficiente. infelizmente, é muito reduzido o tempo que passo com elas,
criando-se um fosso temporal enorme que condiciona e faz estremecer a mais
sólida das amizades. quando reencontramos um amigo deste género, ao fim de algum
tempo, perde-se sempre uma hora a actualizar as informações, o ambiente é quase
sempre de constrangimento, porque nunca sabemos se alguma coisa mudou, se o
nosso comportamento é o ideal, se devemos ou não fazer uma graçola fácil quando
esse amigo nos está a contar algo desagradável que lhe aconteceu, etc.. gasta-se
algum tempo a encontrar o ponto em que tinha ficado o nosso encontro anterior. e
geralmente quando isso acontece, a outra pessoa tem que ir embora. segue-se uma
inevitável frustração, seguida da previsível resignação. não há mesmo nada a
fazer. só aceitar as evidências.
em termos de novos conhecimentos, todavia, também não peço muito, não quero conhecer um astronauta, um prémio nobel ou um cientista, contentar-me-ia com alguém que soubesse, pelo menos, qual é a capital da turquia e da austrália, quem é o vocalista dos radiohead, o realizador de "when harry met sally" e a formação inicial do sporting na final da taça de portugal na época 1994/1995. pronto, nesta última estava a brincar. vou alterá-la para o nome dos 24 jogadores da selecção de el salvador no mundial 82, realizado na espanha.
o meu problema é que as pessoas interessantes parecem já estar ocupadas... com as outras pessoas interessantes. mesmo que tentasse, eu nunca conseguiria entrar. lembro-me sempre da famosa citação de groucho marx, que dizia que não gostaria de pertencer a um clube que o aceitasse como membro...
em termos de novos conhecimentos, todavia, também não peço muito, não quero conhecer um astronauta, um prémio nobel ou um cientista, contentar-me-ia com alguém que soubesse, pelo menos, qual é a capital da turquia e da austrália, quem é o vocalista dos radiohead, o realizador de "when harry met sally" e a formação inicial do sporting na final da taça de portugal na época 1994/1995. pronto, nesta última estava a brincar. vou alterá-la para o nome dos 24 jogadores da selecção de el salvador no mundial 82, realizado na espanha.
o meu problema é que as pessoas interessantes parecem já estar ocupadas... com as outras pessoas interessantes. mesmo que tentasse, eu nunca conseguiria entrar. lembro-me sempre da famosa citação de groucho marx, que dizia que não gostaria de pertencer a um clube que o aceitasse como membro...
toda a gente deveria ter direito a gémeas polacas
estou cada vez mais convencido de que estou neste mundo apenas para ver, não me
interessando minimamente participar. na minha juventude saltei todas as etapas
que a maioria considerava fulcrais: baile de finalistas, praxes, latadas,
queimas... ao invés, entrei cedo no mercado de trabalho porque queria definir
rapidamente o meu futuro. é o que dá crescer num corpo que sempre aparentou ter
cinco ou seis anos a mais do que os verdadeiros. no liceu, quando comparavam a
minha envergadura física com a dos meus restantes colegas, não faltavam pessoas
a pensar que eu precisava de três anos para passar um ano de escolaridade.
quando jogava futebol federado acontecia o mesmo "drama": quando era iniciado,
diziam que havia aldrabice porque eu parecia juvenil; quando cheguei a juvenil,
fartava-me de ouvir bocas do público (geralmente quando jogava fora de casa),
acusando-me de já ser júnior. finalmente, ao chegar a júnior, pude descansar um
pouco, mas havia sempre um "esperto" qualquer a chamar-me de sénior,
provavelmente por causa da minha barba (que cresce desmesuradamente desde os
meus 13 anos). assim, todas estas pequenas incidências (com grande impacto no
meu crescimento) fizeram com que eu desejasse chegar o mais rapidamente possível
ao mundo dos adultos. agora que aqui estou, que já dei umas voltas para ver o
ambiente e meti conversa com dois ou três espécimes, apetece-me pagar a conta,
meter-me no carro e voltar ao ano de 1988 (não faço a mínima ideia de qual será
a melhor estrada para isso, vou tentar ir por ermesinde, virando à direita em
esposende, atravessando o douro em amarante e cortando à esquerda em carrazeda
de ansiães). sim, confesso que sinto a falta de alguma loucura, de alguma
irreverência, de alguma extravagância juvenil. e porquê? pode parecer estúpido
agora, mas na altura não queria defraudar aquelas pessoas que já viam em mim, um
puto de 14/15 anos, um adulto, e tentei ser o mais "atinadinho" possível, sem
desvios comportamentais ou psicológicos. quando se cresce num meio pequeno, onde
toda a gente se conhece, é complicado cometer um pequeno devaneio que seja sem
se ficar imediatamente conotado ou rotulado. mesmo assim, foi nessa miserável
terra que tive oportunidade de experimentar um "cheirinho" das três profissões
que, desde cedo, queria seguir: fui futebolista durante seis anos, tendo
chegado, no penúltimo ano, à selecção distrital sub-17 de viseu, como
defesa-central (a minha altura tinha que servir para alguma coisa); actuei ao
vivo, como músico (escrito assim até parece algo de especial, mas já de seguida
vão ficar a saber que... nem por isso), como elemento da escola de música
"lira", interpretando, no órgão, a famosa canção popular francesa do século
XVIII "au clair de la lune"; e fiz teatro amador durante quatro anos, chegando a
acumular, na mesma peça ("o saco das nozes"), dois papéis (marido violento e
padre). recordo com particular saudade os ensaios, as actuações, o friozinho que
corria pela espinha quando se aproximava a altura de entrar em palco, o alívio
enorme quando acabava uma sessão, as diabólicas cócegas que os bigodes postiços
causavam, a roupa desconfortável e os sapatos apertados, a férrea resistência a
qualquer boca que viesse da assistência para nos fazer rir, as cábulas
escondidas no cenário para não falharmos uma deixa, os improvisos, as "brancas",
as pancadinhas de moliére e... os aplausos, que felizmente eram sempre muitos.
bons tempos! dos melhores, certamente, que passei naquela miserável
terra.
quando mudei para outra terra, senti-me revigorado, pronto para recomeçar a construir um outro eu, uma nova identidade. fiz amigos, criei novas rotinas e cresci bastante em termos psicológicos, sociais e intelectuais. rapidamente me entrosei, me senti em casa. no meu primeiro ano de liceu em viseu, 10º ano de escolaridade, vivia mesmo no centro da cidade. apetecia-me sempre andar na rua, passear pela rua formosa, cheirar as tílias do rossio e a relva molhada do parque aquilino ribeiro (por onde passava todos os dias para ir às aulas), calcorrear a rua direita e a zona histórica... foi um gigantesco "banho" de viseu, um novo baptismo espiritual, que me fez cair de amores por esta cidade para o resto da vida.
três anos depois, deu-se a despedida. coimbra chamou por mim. ainda lhe dei o benefício da dúvida durante uns meses, mas a minha cidade de eleição já tinha sido encontrada. senti-me desamparado em coimbra, não fui capaz de absorver a cidade da mesma forma. sabia que me estava a enganar a mim mesmo ao prolongar aquele martírio, mas não queria desapontar os meus pais, especialmente a minha mãe, grande admiradora do fado de coimbra, das tunas e das serenatas. mas algum tempo depois o barco bateu no icebergue (excelente analogia! diria mais: brilhante!). desabafei com os meus pais, dei-lhes um grande desgosto e uma desilusão que jamais esqueceram (a minha mãe suspira sempre que vê uma tuna na televisão) e voltei. adeus latadas, queimas, bebedeiras de caixão à cova, concertos do quim barreiros, sexo desenfreado sem obrigações morais, "directas" a estudar, pequenos-almoços às cinco da tarde, mais concertos do quim barreiros, mais sexo desenfreado sem obrigações morais e sem telefonema obrigatório no dia seguinte, preservativos de todas as cores, lingerie comestível, cogumelos esquisitos, "o bacalhau quer alho" em altos berros, sexo desenfreado com gémeas polacas do erasmus, colecção de garrafas vazias de absinto na cozinha, pilha de roupa suja na marquise, cama por fazer há quatro meses, quim barreiros novamente e, para acabar, sexo desenfreado no banco traseiro de um renault 5 laureate gtl com a equipa feminina de voleibol do castêlo da maia. perdi tudo isto, sem que alguma vez possa recuperar seja o que for (bem, talvez o quim barreiros). será que quem passou por isto tudo atribui alguma importância a estes anos das suas vidas? creio que sim, pelo menos a acreditar em alguns meus amigos. entraram na vida adulta mais aliviados, mais leves, em clara descompressão. esgotaram totalmente o plafond de "loucuras permitidas" que lhe foi atribuído aquando da entrada na universidade e encararam, de forma positiva, a vida laboral, com memórias e incidências suficientes para centenas de coffee-breaks nas empresas onde trabalham. as minhas histórias, quando muito, dariam para uma pausa para um cigarro no parque de estacionamento. nem sequer para um charuto davam. mas já estou completamente resignado, acreditem. por estes dias, depois de intensa introspecção e alguma terapia, só ainda não consegui tirar da cabeça as gémeas polacas do programa erasmus...
quando mudei para outra terra, senti-me revigorado, pronto para recomeçar a construir um outro eu, uma nova identidade. fiz amigos, criei novas rotinas e cresci bastante em termos psicológicos, sociais e intelectuais. rapidamente me entrosei, me senti em casa. no meu primeiro ano de liceu em viseu, 10º ano de escolaridade, vivia mesmo no centro da cidade. apetecia-me sempre andar na rua, passear pela rua formosa, cheirar as tílias do rossio e a relva molhada do parque aquilino ribeiro (por onde passava todos os dias para ir às aulas), calcorrear a rua direita e a zona histórica... foi um gigantesco "banho" de viseu, um novo baptismo espiritual, que me fez cair de amores por esta cidade para o resto da vida.
três anos depois, deu-se a despedida. coimbra chamou por mim. ainda lhe dei o benefício da dúvida durante uns meses, mas a minha cidade de eleição já tinha sido encontrada. senti-me desamparado em coimbra, não fui capaz de absorver a cidade da mesma forma. sabia que me estava a enganar a mim mesmo ao prolongar aquele martírio, mas não queria desapontar os meus pais, especialmente a minha mãe, grande admiradora do fado de coimbra, das tunas e das serenatas. mas algum tempo depois o barco bateu no icebergue (excelente analogia! diria mais: brilhante!). desabafei com os meus pais, dei-lhes um grande desgosto e uma desilusão que jamais esqueceram (a minha mãe suspira sempre que vê uma tuna na televisão) e voltei. adeus latadas, queimas, bebedeiras de caixão à cova, concertos do quim barreiros, sexo desenfreado sem obrigações morais, "directas" a estudar, pequenos-almoços às cinco da tarde, mais concertos do quim barreiros, mais sexo desenfreado sem obrigações morais e sem telefonema obrigatório no dia seguinte, preservativos de todas as cores, lingerie comestível, cogumelos esquisitos, "o bacalhau quer alho" em altos berros, sexo desenfreado com gémeas polacas do erasmus, colecção de garrafas vazias de absinto na cozinha, pilha de roupa suja na marquise, cama por fazer há quatro meses, quim barreiros novamente e, para acabar, sexo desenfreado no banco traseiro de um renault 5 laureate gtl com a equipa feminina de voleibol do castêlo da maia. perdi tudo isto, sem que alguma vez possa recuperar seja o que for (bem, talvez o quim barreiros). será que quem passou por isto tudo atribui alguma importância a estes anos das suas vidas? creio que sim, pelo menos a acreditar em alguns meus amigos. entraram na vida adulta mais aliviados, mais leves, em clara descompressão. esgotaram totalmente o plafond de "loucuras permitidas" que lhe foi atribuído aquando da entrada na universidade e encararam, de forma positiva, a vida laboral, com memórias e incidências suficientes para centenas de coffee-breaks nas empresas onde trabalham. as minhas histórias, quando muito, dariam para uma pausa para um cigarro no parque de estacionamento. nem sequer para um charuto davam. mas já estou completamente resignado, acreditem. por estes dias, depois de intensa introspecção e alguma terapia, só ainda não consegui tirar da cabeça as gémeas polacas do programa erasmus...
os ciclos da vida
não sei, se calhar fiz tudo mal. caramba, se nem no facebook tenho "saída" o que me
restará? é certo que fico com a distinção de ter sido o primeiro blogger a
iniciar um post com as palavras "não sei", mas é nitidamente pouco para quem,
nesta altura da vida, esperava já ter realizado pelo menos sete dos seus
quatrocentos e vinte e oito sonhos. a vida é feita de círculos e de ciclos.
temos determinado círculo de pessoas à nossa volta em determinado ciclo da nossa
vida (e prometo que vou deixar de escrever a palavra "determinado"). passando
esse ciclo, o círculo de pessoas desaparece. no fundo, são etapas de vida,
camadas de experiência por que temos de passar, como tomar banho aquando do
baptizado, com água fria, ainda por cima, aprender a andar de bicicleta e,
consequentemente, aprender a não gritar quando a mãe nos coloca álcool nos
joelhos esfolados, ir à escola, começar a namorar, ir à escola porque nos
esquecemos lá do porta-lápis, a alegria de termos um quarto só para nós, a
imposta responsabilidade de termos de o arrumar sozinhos, ir à escola porque nos
esquecemos lá da namorada, ir para a universidade ou, transversalmente, para
arrumador de carros, começar a trabalhar, casar, ter filhos, ir à escola porque
nos esquecemos lá do filho, passar pela famosa crise de meia-idade, comprar um
porsche, quando se pode, para disfarçar a crise da meia-idade, ser avô e, com
sorte, bisavô e, finalmente, morrer. e o que fica desta vida? o raio do
porta-lápis que ficou na escola.
sim, não há dúvidas que as pessoas que nos rodeiam são essenciais. imaginem o que seria passar a adolescência tendo como amigos de escola o cláudio ramos, o nuno eiró e o daniel nascimento. é claro que não podemos encomendar por catálogo as pessoas que queremos conhecer, caso contrário todas as mulheres escolheriam o george clooney ou o johnny depp e os homens optariam pela filha do nené ou pela betty grafstein. elas surgem de repente, caem de pára-quedas nas nossas vidas, sem pré-aviso que nos permita, ao menos, tomar banho antes. depois, como é natural, entra em campo o nosso rigoroso sistema selectivo, que faz com que fiquemos naturalmente com as pessoas com quem mais nos identificamos (ou que tenham seios grandes, é opcional) e deitemos fora as outras, as chatas, as inoportunas e as falsas (e as que nem de calças de licra bem apertadas fiquem minimamente atraentes). depois, quando nos dá para a introspecção, como num qualquer dia de aniversário, olhamos para trás e vemos que ainda nem levantamos a mesa do jantar. depois disso, continuamos a avaliar intensamente o nosso percurso ao longo de meia vida. afinal, segue-se a etapa da crise da meia-idade e eu não tenho dinheiro para um porsche, nem para um renault clio ou um smart. com sorte, consigo comprar um datsun 1200 de 1982 num sucateiro. a questão é esta: estarei devidamente preparado para esta crise? e ainda posso colocar mais algumas questões pertinentes, como estas: o que hei-de vestir? o que levo para comer? fará frio ou calor? conseguirei destrocar uma nota de 200 euros? não faço a mínima ideia de que forma vou enfrentar tudo isto.
o que é suposto eu fazer na minha crise de meia-idade? vestir-me como se tivesse 19 anos? fazer desportos radicais? ver os morangos com açúcar? andar na rua sempre com o mp3 a bombar nos ouvidos? visitar os pais só para poder sair disparado de casa deles a vociferar "nesta casa ninguém me entende"? não sei. só sei que por esta altura se começa, efectivamente, a ver o tempo fugir-nos e queremos aproveitar ao máximo tudo aquilo a que ainda temos direito. que diabo, até já comi sushi. não quero morrer ignorante. "então meu amigo, gostou da vida que levou?", pergunta-me o s. pedro. "gostei, foi interessante", respondo-lhe eu. "experimentou tudo? plantar uma árvore? ser pai? sexo com gémeas polacas? tiramisu? por-do-sol na praia? sushi?", volta a perguntar o barbudo. "bolas, sushi, eu sabia que me faltava alguma coisa...". pois, era chato pedir ao homem para vir cá abaixo só para experimentar sushi. mas há ainda uma imensidão de coisas que ainda quero fazer, como ir à pesca. nunca fui mas sempre quero saber qual é a "pica" que se tira daquilo, do facto de se estar sentado largas horas com uma cana de pesca nas mãos. deve ser giro. ou talvez não. também gostava de ser comentador desportivo de voleibol de praia feminino. ou de ténis feminino. gostava de ir a itália, mas de avião nem pensar, só de comboio. gostava de ver ao vivo um jogo do campeonato inglês, se bem que isso seja praticamente impossível, só pedindo às equipas e aos adeptos para se deslocarem a portugal ou, vá, à espanha. ainda quero ver muitos concertos musicais, cantar ainda muitas vezes os parabéns aos meus pais e assistir ao crescimento dos meus filhos ao lado da minha mulher. são já vinte e quatro os anos ao seu lado, mais de metade da minha vida, em que a passagem do tempo apenas a tornou, ano após ano, ainda mais resplandecente aos meus olhos. tenho muitas dúvidas em relação a diversos aspectos do meu futuro, mas sei perfeitamente que nunca me vou cansar de olhar para ela. essa é a única certeza.
o futuro não me assusta. independentemente dos ciclos que aí venham, bons ou maus, conto com o apoio do meu círculo, nas alegrias e nas vitórias, nas tristezas e nas derrotas, e, essencialmente, para me ajudarem a encontrar as tais gémeas polacas...
sim, não há dúvidas que as pessoas que nos rodeiam são essenciais. imaginem o que seria passar a adolescência tendo como amigos de escola o cláudio ramos, o nuno eiró e o daniel nascimento. é claro que não podemos encomendar por catálogo as pessoas que queremos conhecer, caso contrário todas as mulheres escolheriam o george clooney ou o johnny depp e os homens optariam pela filha do nené ou pela betty grafstein. elas surgem de repente, caem de pára-quedas nas nossas vidas, sem pré-aviso que nos permita, ao menos, tomar banho antes. depois, como é natural, entra em campo o nosso rigoroso sistema selectivo, que faz com que fiquemos naturalmente com as pessoas com quem mais nos identificamos (ou que tenham seios grandes, é opcional) e deitemos fora as outras, as chatas, as inoportunas e as falsas (e as que nem de calças de licra bem apertadas fiquem minimamente atraentes). depois, quando nos dá para a introspecção, como num qualquer dia de aniversário, olhamos para trás e vemos que ainda nem levantamos a mesa do jantar. depois disso, continuamos a avaliar intensamente o nosso percurso ao longo de meia vida. afinal, segue-se a etapa da crise da meia-idade e eu não tenho dinheiro para um porsche, nem para um renault clio ou um smart. com sorte, consigo comprar um datsun 1200 de 1982 num sucateiro. a questão é esta: estarei devidamente preparado para esta crise? e ainda posso colocar mais algumas questões pertinentes, como estas: o que hei-de vestir? o que levo para comer? fará frio ou calor? conseguirei destrocar uma nota de 200 euros? não faço a mínima ideia de que forma vou enfrentar tudo isto.
o que é suposto eu fazer na minha crise de meia-idade? vestir-me como se tivesse 19 anos? fazer desportos radicais? ver os morangos com açúcar? andar na rua sempre com o mp3 a bombar nos ouvidos? visitar os pais só para poder sair disparado de casa deles a vociferar "nesta casa ninguém me entende"? não sei. só sei que por esta altura se começa, efectivamente, a ver o tempo fugir-nos e queremos aproveitar ao máximo tudo aquilo a que ainda temos direito. que diabo, até já comi sushi. não quero morrer ignorante. "então meu amigo, gostou da vida que levou?", pergunta-me o s. pedro. "gostei, foi interessante", respondo-lhe eu. "experimentou tudo? plantar uma árvore? ser pai? sexo com gémeas polacas? tiramisu? por-do-sol na praia? sushi?", volta a perguntar o barbudo. "bolas, sushi, eu sabia que me faltava alguma coisa...". pois, era chato pedir ao homem para vir cá abaixo só para experimentar sushi. mas há ainda uma imensidão de coisas que ainda quero fazer, como ir à pesca. nunca fui mas sempre quero saber qual é a "pica" que se tira daquilo, do facto de se estar sentado largas horas com uma cana de pesca nas mãos. deve ser giro. ou talvez não. também gostava de ser comentador desportivo de voleibol de praia feminino. ou de ténis feminino. gostava de ir a itália, mas de avião nem pensar, só de comboio. gostava de ver ao vivo um jogo do campeonato inglês, se bem que isso seja praticamente impossível, só pedindo às equipas e aos adeptos para se deslocarem a portugal ou, vá, à espanha. ainda quero ver muitos concertos musicais, cantar ainda muitas vezes os parabéns aos meus pais e assistir ao crescimento dos meus filhos ao lado da minha mulher. são já vinte e quatro os anos ao seu lado, mais de metade da minha vida, em que a passagem do tempo apenas a tornou, ano após ano, ainda mais resplandecente aos meus olhos. tenho muitas dúvidas em relação a diversos aspectos do meu futuro, mas sei perfeitamente que nunca me vou cansar de olhar para ela. essa é a única certeza.
o futuro não me assusta. independentemente dos ciclos que aí venham, bons ou maus, conto com o apoio do meu círculo, nas alegrias e nas vitórias, nas tristezas e nas derrotas, e, essencialmente, para me ajudarem a encontrar as tais gémeas polacas...
os "remendos"
"só
existe uma coisa melhor do que fazer novos amigos: conservar os
velhos."
elmer g. letterman
não faço a mínima ideia quem é elmer g. letterman, até procurei no google mas o homem nem sequer tem página no wikipedia. portanto, é um borra botas qualquer, que num belo dia proferiu esta frase. alguém a ouviu na mesa ao lado do café e achou-lhe piada, ao ponto de a colocar num daqueles sites bonitinhos com frases sobre tudo e mais alguma coisa: amizade, amor, hóquei em patins, puericultura, pesca submarina, acne facial, etc.. encontrei a frase num site desse género, em trabalho. vi a frase, que até estava destacada, e senti-me exactamente da mesma maneira que o tal tipo que estava na mesa ao lado no café, onde o elmer g. letterman ia tomar todos os dias o pequeno almoço com um primo, quatro anos mais novo do que ele, que tinha a particularidade de coxear das duas pernas. de facto, a frase faz sentido, sobretudo se olhar para os últimos meses da minha vida. procurar novos amigos é complicado, sobretudo quando já se passou há muito a barreira dos 30 anos e estamos naquela fase em que não estamos para nos chatear com essas coisas. os velhos amigos já leram o nosso manual de instruções, já assimilaram as informações vitais, conhecem os nossos gostos e sabem lidar perfeitamente com o nosso feitio. iniciar um novo processo com um total desconhecido pode ser traumático. faz lembrar aquela teoria que define a principal diferença sentimental entre homens e mulheres da seguinte forma: um homem pode ter dez mulheres apaixonadas por ele, mas no dia em que uma delas deixe de o amar, ele começa a questionar tudo, inclusivamente o amor das outras nove, partindo do princípio que a que deixou de o amar é que tem razão. por sua vez, uma mulher borrifa-se completamente para os outros nove homens que não estão apaixonadas por ela, porque tem um que está e isso basta-lhe. o que é que eu quero dizer com isto? bem, vamos lá ler tudo isto juntos, devagarinho desta vez. eu espero...
bem, a questão, transportada para assuntos de amizade, pode desembocar exactamente na mesma conclusão. se o carlos carpinteiro cortou relações com o arlindo gnr, oficialmente por conflitos de personalidade mas toda a gente sabe que foi porque o arlindo foi "chibar" à mulher do carlos que ele, aos sábados, em vez de ir ver os jogos de futebol na sport tv do café do senhor cardoso, vai a casa da salete, que é precisamente a mulher do coitado do senhor cardoso, que tem que ficar com o café aberto a noite toda por causa do futebol na sport tv (uff, vamos respirar fundo agora que a frase já vai longa como o catano), servirá o mesmo arlindo para ser amigo de um outro qualquer ser humano? bem, talvez só de um padre. ou da mulher do carlos, porque se calhar era essa a sua intenção desde o início.
conservar os velhos amigos é sinal de maturidade, de plenitude emocional. em termos simplistas, mas mesmo muito simplistas, é como a minha relação com a roupa. há anos que tenho um casaco azul (o casaco que tenho vestido na foto no meu perfil), até já lhe dediquei um post uma vez; sinto-me confortável com ele, visto-o e sei que ele "encaixa" perfeitamente porque parece já moldado ao meu corpo. sou muito esquisito com a roupa. normalmente, qualquer peça de vestuário nova leva imediatamente um carimbo de "não me sinto confortável com isto". até já mandei fazer autocolantes para facilitar a vida à minha mulher. ou são as mangas que são muito compridas ou curtas, os colarinhos irritam-me o pescoço, o último botão da camisa não dá para apertar, o penúltimo está muito subido ou muito descido, as calças arrastam no chão e é preciso fazer uma dobra (e eu detesto dobras), a t'shirt por baixo do pullover ou se vê demasiado ou não se vê de todo. enfim, um suplício. para evitar estes dramas matinais, eu tenho uma dúzia de peças de roupa infalíveis, daquelas com que se pode contar sempre quando o tempo aperta e não há muito tempo para perder com estes momentos desconfortáveis. o tal casaco azul é uma delas. por muito velho e gasto que ele possa vir a ficar, será sempre de preservar. a roupa estraga-se, mas pode sempre remendar-se; as amizades, por vezes, também se estragam, mas existem sempre soluções para as "remendar". até no caso do arlindo e do carlos...
elmer g. letterman
não faço a mínima ideia quem é elmer g. letterman, até procurei no google mas o homem nem sequer tem página no wikipedia. portanto, é um borra botas qualquer, que num belo dia proferiu esta frase. alguém a ouviu na mesa ao lado do café e achou-lhe piada, ao ponto de a colocar num daqueles sites bonitinhos com frases sobre tudo e mais alguma coisa: amizade, amor, hóquei em patins, puericultura, pesca submarina, acne facial, etc.. encontrei a frase num site desse género, em trabalho. vi a frase, que até estava destacada, e senti-me exactamente da mesma maneira que o tal tipo que estava na mesa ao lado no café, onde o elmer g. letterman ia tomar todos os dias o pequeno almoço com um primo, quatro anos mais novo do que ele, que tinha a particularidade de coxear das duas pernas. de facto, a frase faz sentido, sobretudo se olhar para os últimos meses da minha vida. procurar novos amigos é complicado, sobretudo quando já se passou há muito a barreira dos 30 anos e estamos naquela fase em que não estamos para nos chatear com essas coisas. os velhos amigos já leram o nosso manual de instruções, já assimilaram as informações vitais, conhecem os nossos gostos e sabem lidar perfeitamente com o nosso feitio. iniciar um novo processo com um total desconhecido pode ser traumático. faz lembrar aquela teoria que define a principal diferença sentimental entre homens e mulheres da seguinte forma: um homem pode ter dez mulheres apaixonadas por ele, mas no dia em que uma delas deixe de o amar, ele começa a questionar tudo, inclusivamente o amor das outras nove, partindo do princípio que a que deixou de o amar é que tem razão. por sua vez, uma mulher borrifa-se completamente para os outros nove homens que não estão apaixonadas por ela, porque tem um que está e isso basta-lhe. o que é que eu quero dizer com isto? bem, vamos lá ler tudo isto juntos, devagarinho desta vez. eu espero...
bem, a questão, transportada para assuntos de amizade, pode desembocar exactamente na mesma conclusão. se o carlos carpinteiro cortou relações com o arlindo gnr, oficialmente por conflitos de personalidade mas toda a gente sabe que foi porque o arlindo foi "chibar" à mulher do carlos que ele, aos sábados, em vez de ir ver os jogos de futebol na sport tv do café do senhor cardoso, vai a casa da salete, que é precisamente a mulher do coitado do senhor cardoso, que tem que ficar com o café aberto a noite toda por causa do futebol na sport tv (uff, vamos respirar fundo agora que a frase já vai longa como o catano), servirá o mesmo arlindo para ser amigo de um outro qualquer ser humano? bem, talvez só de um padre. ou da mulher do carlos, porque se calhar era essa a sua intenção desde o início.
conservar os velhos amigos é sinal de maturidade, de plenitude emocional. em termos simplistas, mas mesmo muito simplistas, é como a minha relação com a roupa. há anos que tenho um casaco azul (o casaco que tenho vestido na foto no meu perfil), até já lhe dediquei um post uma vez; sinto-me confortável com ele, visto-o e sei que ele "encaixa" perfeitamente porque parece já moldado ao meu corpo. sou muito esquisito com a roupa. normalmente, qualquer peça de vestuário nova leva imediatamente um carimbo de "não me sinto confortável com isto". até já mandei fazer autocolantes para facilitar a vida à minha mulher. ou são as mangas que são muito compridas ou curtas, os colarinhos irritam-me o pescoço, o último botão da camisa não dá para apertar, o penúltimo está muito subido ou muito descido, as calças arrastam no chão e é preciso fazer uma dobra (e eu detesto dobras), a t'shirt por baixo do pullover ou se vê demasiado ou não se vê de todo. enfim, um suplício. para evitar estes dramas matinais, eu tenho uma dúzia de peças de roupa infalíveis, daquelas com que se pode contar sempre quando o tempo aperta e não há muito tempo para perder com estes momentos desconfortáveis. o tal casaco azul é uma delas. por muito velho e gasto que ele possa vir a ficar, será sempre de preservar. a roupa estraga-se, mas pode sempre remendar-se; as amizades, por vezes, também se estragam, mas existem sempre soluções para as "remendar". até no caso do arlindo e do carlos...
o insuportável peso da idade
os "trintas" são tramados, não tenham dúvidas. é aquela altura da vida em que se
definem as nossas prioridades, em que se faz aquela transição, nem sempre fácil,
entre uma vida de solteiro e uma vida de casado. enquanto solteiros, o mais
normal é manter durante vários anos as amizades que se foram cimentando durante
a vida de estudante, nos liceus, nas universidades, etc.. mesmo quando surge uma
namorada na nossa vida, é de certa forma fácil conciliar os dois mundos e,
apesar das exigências de ambos os lados, o pensamento que impera nesta fase é o
de que a vida deveria ser sempre assim, com os amigos e a namorada sempre "à
mão", dependendo do nosso estado de espírito. os "vintes" são, dessa forma,
fantásticos, porque há um pouco de tudo na nossa vida: ainda há vida de
estudante, com as consequentes loucuras sazonais, há a emoção do primeiro
emprego, as borbulhas começam finalmente a desaparecer, decidimos que "look" é
que vamos adoptar ao entrar na chamada "vida adulta" (pêra, barba de três dias,
bigode à freddie mercury, cabelinho "à fosga-se", risco ao meio), conduzimos o
nosso primeiro carro, temos o nosso primeiro acidente de viação, ainda temos
energia para parques de campismo, discotecas e batalhas de shot's, ainda há
bebidas alcoólicas para experimentar e, sobretudo, já não temos, finalmente,
hora para chegar a casa, porque experimentamos pela primeira vez as maravilhas
de viver sozinho. basicamente, the world is your oyster, ou seja,
estamos a retirar tudo o que queremos da vida, da forma como queremos e quando
queremos. nos "vintes", depois de muitos anos a obedecer às regras parentais,
nós fazemos as nossas próprias regras. se quisermos ficar a dormir até ao meio
dia num sábado, tomar o pequeno-almoço à uma da tarde, dormir mais um bocado,
porque a noite foi "puxada", e almoçar apenas às seis, podemos fazê-lo sem
recriminações. à noite, estamos novamente fresquinhos para repetir a dose. pois,
os "vintes" não têm comparação com mais nenhuma época da nossa vida. os amigos
são realmente amigos, aturam-nos tudo, embarcam em todas as nossas loucuras, não
desperdiçam vinho nem palavras e são, acima de tudo, mais honestos e francos,
sobretudo quando estão embriagados. é nesta altura das nossas vidas que
descobrimos que os nossos amigos só dizem determinadas coisas quando estão
"tocados", abandonando todas as camadas de timidez e preconceito para dizerem
bacoradas como "tu és um tipo muito porreiro", ou "sempre achei que ficavas
muito sexy com essas calças", ou ainda "fui eu que atropelei acidentalmente o
teu gato". depois, vomitar nos "vintes" é de homem, ou um sinal de que nos
estamos a tornar uns homenzinhos; vomitar nos "trintas" é deprimente, para quem
vomita e para quem vê. uma noitada nos "trintas" é diferente. já existem horas
para chegar a casa, temos sempre que conduzir até casa, o fígado já começa a dar
de si e a "controlar" o que bebemos, até os amigos e as conversas são
diferentes. nos "trintas" já não queremos dominar o mundo, marcar uma posição,
falar mais alto do que os outros para impressionar a sala inteira; só queremos é
ser bem atendidos e passar o mais despercebidos possível, sobretudo quando
estamos num ambiente... cheio de "vintes". certamente que, quando andava pelos
"vintes", pouca importância dava aos "trintas", porque na maior parte das vezes,
nas saídas nocturnas, estavam sempre aquela mesa mais silenciosa, só se fazendo
notar quando olhavam incredulamente para nós, os "vintes", na maior algazarra e
animação. agora, os papéis inverteram-se. os "trintas" já nem querem sair à
noite por se sentirem deslocados ou, lá está, por terem assumido outras
prioridades na vida. esta transição não é visível a olho nu e muito menos
palpável, mas acontece e marca decisivamente o adeus aos "vintes". nos
"trintas", o mundo já não é a nossa ostra, no máximo é uma ameijoa, e o grande
objectivo passa a ser, essencialmente, a gestão desse grande empreendimento
chamado família. a tendência é, quer se queira, quer não, termos outros amigos,
com as mesmas prioridades e estilo de vida, pessoas que nos compreendam e
respeitem a nossa "missão". agora, em vez de estarmos às 4 da manhã a beber mais
um shot, estamos na cozinha a preparar um biberon de leite. os "trintas" demoram
um pouco a resignar-se, mas quando se conformam é para o resto da vida.
regressar aos "vintes", só num de lorean, como no "regresso ao futuro"...
"my one regret in life is that I am not someone else"
tenho saudades de ter saudades de alguém. uma vida assim vazia, sem o contar dos
dias, das horas para se ver uma determinada pessoa, tende a cair num marasmo
irrecuperável, em que nunca há nada à nossa espera em cada dia que nasce. eu
gosto de ter saudades das pessoas, dos momentos que partilhei e do que elas me
fizeram sentir. um ser humano, por muito misantropo que seja, carrega sempre
consigo uma carga emocional, sendo que umas são naturalmente mais pesadas que
outras, em função do que se viveu até agora. o presente e o futuro ainda não
aconteceram. mas enquanto há pessoas que sabem perfeitamente o que lhes reserva
esse presente e esse futuro, porque conhecem muito bem a "bagagem" que carregam
e os créditos que granjearam ao longo da sua vida, sabendo, portanto, que nunca
lhes faltará alguém de quem sentir saudades ou ansiar por um novo encontro,
outras há que, se forem à janela espreitar o seu horizonte apenas contemplarão
um árido deserto nesse domínio. sinto que estou neste último grupo há algum
tempo já, e, sinceramente, não sei o que sentir, porque me encontro dividido,
tal como sempre me senti, entre ser uma "people person", daquelas dedicadas, que
fazem tudo pelos amigos, pelos amigos dos amigos, pela família dos amigos, no
sentido de aumentar a sua rede de conhecimentos pessoais, e ser um completo
misantropo, avesso a qualquer contacto social, mesmo os mais ligeiros, como
cumprimentar alguém na rua com um simples "bom dia". aos 39 anos de idade, sinto
que ainda não sei quem sou. pior: sinto que não sei o que quero ser. faça o que
fizer, interpretando os dois papéis acima referidos, seja em que situação for,
acabo sempre por me recriminar, por sentir que não fui eu mesmo. confuso? é
capaz de ser um pouco. trata-se de um complicado caso de bipolaridade. a questão
é esta: em que circunstâncias é que sou eu mesmo, sem hipocrisias, sem tiques
artificiais para impressionar, sem arrogâncias estéreis ou laivos de
superioridade? ou eu sou realmente assim, com todas as características que
apontei? será que tenho um feitio tão insuportavelmente cretino e cabotino que,
a pouco e pouco, afugento toda a gente à minha volta? se me é permitido
responder às minhas próprias perguntas, eu acho que sim. analisando os últimos
quinze anos da minha vida, em termos puramente sociais, é muito mais fácil
contabilizar as pessoas que ficaram pelo caminho do que aquelas que conheci e
com quem desenvolvi algum tipo de relação de amizade. portanto, a conclusão é
bastante fácil de tirar. sendo eu, ainda por cima, uma pessoa pouco talhada para
impressionar alguém nos primeiros encontros, devo ser a pessoa com maior número
de piores "primeiras impressões" à superfície da terra, falhando geralmente os
"mínimos" para garantir, pelo menos, uma "segunda impressão", sinto que estou,
irremediavelmente, num beco sem saída. são já muito poucas as pessoas que leram
o meu manual de instruções e decidiram "comprar o produto". por coincidência, ou
não, como estamos no outono, aos poucos a minha árvore vai ficando sem folhas.
elas vão caindo, uma a uma, levando com elas a irreversibilidade do momento em
que conseguem soltar-se, precipitando-se numa queda aliviada para o chão.
aqueles tempos em que, como pessoa ansiosa que sou, contava os dias que faltavam
para me encontrar com amigos já lá vão. tenho que me render às evidências.
falhei redondamente neste aspecto da minha vida, tal como noutros. sou obrigado
a reconhecer que ainda não tenho uma personalidade devidamente estabilizada e
coerente para me "soltarem" na sociedade. se eu fosse um computador, aceitaria,
por esta altura, um "reset" total ou, em último caso, que me devolvessem à
fábrica, por manifesto erro de fabrico. como não sou um computador, resta-me
agradecer às pessoas que me fizeram chegar a esta conclusão. porventura, demorei
tempo demasiado a aceitá-la, mas esta é uma consequência natural de quem luta
diariamente com duas personalidades diferentes: aquela que queria ter e a que
realmente tenho.
devo utilizar a minha invisibilidade para o bem ou para o mal?
hoje apetece-me escrever. não sei bem de quê, mas apetece-me. é uma aventura
começar a escrever sem ter um tópico, um assunto, um tema. é a minha forma, eu
que sou tão temeroso e pouco vocacionado para a espontaneidade, de me lançar no
escuro, "push the envelope" (sempre quis utilizar esta expressão num post).
chateia-me imenso que nunca me aconteça nada de relevante para vos contar, uma
ameaça de bomba, uma perseguição a alta velocidade na auto-estrada, uma luta
entre a vida e a morte como refém num assalto a um banco... tanta coisa que me
poderia acontecer, mas nada me acontece. no máximo dos máximos, quase sou
atropelado numa passadeira, porque, comprovando a minha teoria de que sou,
efectivamente, invisível, os condutores têm uma enorme dificuldade em ver-me.
vir para aqui chatear-vos com a forma como sou atendido (e às vezes nem isso) em
estabelecimentos comerciais e repartições públicas também seria bastante
maçador. mas pronto, como não tenho mesmo assunto, saliento apenas um episódio,
ocorrido numa superfície comercial de viseu. o meu filho anda com a "panca" do
bowling, ficou imediatamente viciado quando experimentou pela primeira vez, ao
ponto de, agora, querer fazer lá a sua festa de aniversário (sim, é possível).
mas, se dependesse de mim, tal nunca se realizaria. isto porque, na semana
passada, depois de repetidos pedidos do meu filho, fui com ele ao bowling. lá
chegados, com as pistas todas ocupadas, tentei saber no balcão, que estava sem
clientes e apenas com os dois funcionários, se poderíamos jogar. cheguei ao
balcão, repito que não estava mais ninguém para atender, apenas eu, e esperei
que os dois funcionários, um rapaz e uma rapariga, acabassem a conversa que
estavam a ter para, depois, ser efectivamente atendido. o tempo foi passando, a
conversa nunca mais acabava e eu a sentir-me cada vez mais minúsculo. a minha
teoria da invisibilidade voltou a ganhar contornos preocupantes. depois de mais
de um minuto disto, desisti. afastei-me do balcão, sem que algum deles tivesse
sequer reparado que eu lá estive. bem, eu não tenho um metro e meio, sou bem
alto, por sinal, acho muito difícil não me terem visto. mesmo assim, decidiram
que eu não seria merecedor da atenção deles. curiosamente, apenas 30 segundos
depois, apareceu um grupo de teenagers, que se dirigiu ao balcão e, surpresa,
foram imediatamente atendidas! uau! não é fantástico? como eu entendo, em casos
como este, a personagem de michael douglas no filme "falling down". mas enfim,
adiante. preferi ficar com a raiva toda cá dentro, que vai acumulando,
acumulando, até um dia já não aguentar mais. se calhar até vai ser num caso
muito menos "grave" do que este, como por exemplo um empregado de um café
esquecer-se de me trazer o pacote de açúcar, mas esse é um risco que eu vou ter
que correr (eu e todos os empregados de café deste país). e depois, eu estava
com o meu filho. não queria que ele ficasse traumatizado para o resto da vida se
eu saltasse o balcão e começasse a arrancar, uma por uma, as unhas das mãos dos
tais funcionários.
eu gosto de passar por invisível, não quero que me abordem na rua, tento ser o mais "low profile" possível, mas caramba, também não é preciso exagerarem no desprezo. há dias, numa farmácia de viseu, antes de ser atendido, ouvi por diversas vezes os funcionários da mesma perguntarem aos clientes se já tinham o calendário da farmácia, dando a dois ou três deles o referido calendário. quando chegou a minha vez de ser atendido, esperei, obviamente, que, na mesma linha de orientação, também me fosse oferecido um calendário. não é pelo calendário em si, que provavelmente iria deixar em casa, em cima do frigorífico, ou no móvel de entrada, sem que alguma vez me servisse dele, mas pelo facto de o mesmo ter sido oferecido a todos os outros clientes da farmácia nos minutos que precederam o meu atendimento. muito bem, pedi os medicamentos, o senhor foi buscar, trouxe os medicamentos, pediu-me o nome para a factura, disse-me quanto era, paguei-lhe, deu-me o troco e... mais nada. "e o calendário?" - poderia ter perguntado, "toda a gente recebeu um antes de mim". não disse nada, obviamente, mas foi mais uma daquelas situações que servem para ir encurtando o espaço entre o rastilho e a dinamite. é que desta vez nem sequer foi um problema de invisibilidade. o homem viu-me, de facto, atendeu-me e tudo, mas achou que eu não era digno de levar para casa um calendário daquela farmácia. lá está, eu até já deveria estar habituado e este género de situações, tantas são as vezes que elas ocorrem. tenho cara de mau? devo ter. serei invisível? não creio, sinceramente, embora pareça que sou. tenho um problema de atitude? sim, tenho, mas um problema grave que não permite que eu reaja no instante em que as situações acontecem e reaja depois, umas semanas mais tarde, na porcaria deste blogue...
eu gosto de passar por invisível, não quero que me abordem na rua, tento ser o mais "low profile" possível, mas caramba, também não é preciso exagerarem no desprezo. há dias, numa farmácia de viseu, antes de ser atendido, ouvi por diversas vezes os funcionários da mesma perguntarem aos clientes se já tinham o calendário da farmácia, dando a dois ou três deles o referido calendário. quando chegou a minha vez de ser atendido, esperei, obviamente, que, na mesma linha de orientação, também me fosse oferecido um calendário. não é pelo calendário em si, que provavelmente iria deixar em casa, em cima do frigorífico, ou no móvel de entrada, sem que alguma vez me servisse dele, mas pelo facto de o mesmo ter sido oferecido a todos os outros clientes da farmácia nos minutos que precederam o meu atendimento. muito bem, pedi os medicamentos, o senhor foi buscar, trouxe os medicamentos, pediu-me o nome para a factura, disse-me quanto era, paguei-lhe, deu-me o troco e... mais nada. "e o calendário?" - poderia ter perguntado, "toda a gente recebeu um antes de mim". não disse nada, obviamente, mas foi mais uma daquelas situações que servem para ir encurtando o espaço entre o rastilho e a dinamite. é que desta vez nem sequer foi um problema de invisibilidade. o homem viu-me, de facto, atendeu-me e tudo, mas achou que eu não era digno de levar para casa um calendário daquela farmácia. lá está, eu até já deveria estar habituado e este género de situações, tantas são as vezes que elas ocorrem. tenho cara de mau? devo ter. serei invisível? não creio, sinceramente, embora pareça que sou. tenho um problema de atitude? sim, tenho, mas um problema grave que não permite que eu reaja no instante em que as situações acontecem e reaja depois, umas semanas mais tarde, na porcaria deste blogue...
o filme mais chato de todos os tempos
confesso que continuo sem saber qual é o meu papel nesta grande produção chamada
"vida". em virtude das minhas limitações, talvez não ouse almejar mais do que um
papel secundário, daqueles sem direito sequer a uma linha no filme. é mais do
que evidente, trinta e nove anos depois, que o filme está a ser rodado noutro
lado qualquer, que a acção nunca há-de passar por estes lados. no máximo,
aparecerei como aquele que é quase atropelado pelo autocarro no "speed", ou um
dos escoceses que morrem ao lado de william wallace em "braveheart". nem terei
direito ao meu dramático "freeedooom". limitar-me-ia a levar com uma seta no
peito e a tombar, tal como centenas dos meus irmãos escoceses, nessa luta pela
independência do jugo britânico.
há igualmente uma crescente preocupação em relação ao género do filme. comédia ou drama? porque se há alturas em que me sinto um jim carrey, em filmes como "yes" ou "ace ventura", há outras em que visto as roupas de um jack baker, em "the fabulous baker boys", ou de um miles raymond, em "sideways". ou seja, se eu fosse escolhido como actor principal desta grande produção, hesitaria bastante quando tivesse que escolher um dos registos. ainda não cheguei a nenhuma conclusão neste domínio. a minha vida daria uma comédia ou um drama? e, havendo um produtor completamente lunático disposto a levar a minha vida ao grande ecrã, quem entraria no meu filme? que momentos da minha vida seriam realçados? e teria cenas de acção frenéticas ou, pelo menos, uma perseguição de carro? um affair? um "love interest"? um homicídio passional? um iceberg? vampiros? um vírus mortal? provavelmente, teriam que incluir tudo isto no filme, para ficar minimamente apetecível gastar seis euros para o ver no cinema. se o filme fosse apenas baseado na minha vida seria um autêntico soporífero. seria uma espécie de "groundhog day", o filme em que bill murray é obrigado a reviver o mesmo dia... todos os dias, encontrando sempre as mesmas pessoas e passando constantemente pelas mesmas situações, mas com muito menos piada, obviamente. resultaria um "groundhog day" como se fosse realizado por manoel de oliveira, o que, ainda por cima, significaria que eu teria que arranjar um papel para o luís miguel cintra e para o ricardo trêpa (como se já não houvesse dezenas de personagens aborrecidas no "meu" filme).
como personagem principal do filme (do tal lunático e, sejamos francos, demente produtor), não cativaria nem apelaria a ninguém (provavelmente só aquela franja de espectadores que considera o filme "branca de neve", de joão césar monteiro, o melhor filme de sempre), tanto a nível psicológico, como físico. daí que, para tornar o filme um pouco mais interessante, tal como fiz há anos e na medida em que estamos a fazer cócegas à imaginação neste exercício especulativo que chega a roçar a pura imbecilidade, me permitam que vá buscar os seguintes atributos a algumas personagens masculinas:
- a eloquência e a destreza de gerard depardieu em "cyrano de bergerac"
- os dotes artísticos e o virtuosismo de geophrey rush em "shine"
- a inteligência e o discernimento de morgan freeman em "seven"
- ser sedutor como daniel day lewis em "a idade da inocência"
- a "pinta" do jeff bridges em "os fabulosos irmãos baker"
- o sex appeal de george clooney em "out of sight"
- o sentido de humor de woody allen em "annie hall"
- o charme natural de hugh grant em "notting hill"
- o cavalheirismo de clint eastwood em "as pontes de madison county"
- a paixão profissional de robin williams em "o clube dos poetas mortos"
- o carácter meticuloso de tim robbins em "shawshank redemption"
- o optimismo e altruísmo de roberto benigni em "a vida é bela"
- a integridade de paul giamatti em "sideways".
com tudo isto, nem o manoel de oliveira conseguiria estragar o filme da minha vida. a única coisa que o poderia fazer seria... o argumento.
há igualmente uma crescente preocupação em relação ao género do filme. comédia ou drama? porque se há alturas em que me sinto um jim carrey, em filmes como "yes" ou "ace ventura", há outras em que visto as roupas de um jack baker, em "the fabulous baker boys", ou de um miles raymond, em "sideways". ou seja, se eu fosse escolhido como actor principal desta grande produção, hesitaria bastante quando tivesse que escolher um dos registos. ainda não cheguei a nenhuma conclusão neste domínio. a minha vida daria uma comédia ou um drama? e, havendo um produtor completamente lunático disposto a levar a minha vida ao grande ecrã, quem entraria no meu filme? que momentos da minha vida seriam realçados? e teria cenas de acção frenéticas ou, pelo menos, uma perseguição de carro? um affair? um "love interest"? um homicídio passional? um iceberg? vampiros? um vírus mortal? provavelmente, teriam que incluir tudo isto no filme, para ficar minimamente apetecível gastar seis euros para o ver no cinema. se o filme fosse apenas baseado na minha vida seria um autêntico soporífero. seria uma espécie de "groundhog day", o filme em que bill murray é obrigado a reviver o mesmo dia... todos os dias, encontrando sempre as mesmas pessoas e passando constantemente pelas mesmas situações, mas com muito menos piada, obviamente. resultaria um "groundhog day" como se fosse realizado por manoel de oliveira, o que, ainda por cima, significaria que eu teria que arranjar um papel para o luís miguel cintra e para o ricardo trêpa (como se já não houvesse dezenas de personagens aborrecidas no "meu" filme).
como personagem principal do filme (do tal lunático e, sejamos francos, demente produtor), não cativaria nem apelaria a ninguém (provavelmente só aquela franja de espectadores que considera o filme "branca de neve", de joão césar monteiro, o melhor filme de sempre), tanto a nível psicológico, como físico. daí que, para tornar o filme um pouco mais interessante, tal como fiz há anos e na medida em que estamos a fazer cócegas à imaginação neste exercício especulativo que chega a roçar a pura imbecilidade, me permitam que vá buscar os seguintes atributos a algumas personagens masculinas:
- a eloquência e a destreza de gerard depardieu em "cyrano de bergerac"
- os dotes artísticos e o virtuosismo de geophrey rush em "shine"
- a inteligência e o discernimento de morgan freeman em "seven"
- ser sedutor como daniel day lewis em "a idade da inocência"
- a "pinta" do jeff bridges em "os fabulosos irmãos baker"
- o sex appeal de george clooney em "out of sight"
- o sentido de humor de woody allen em "annie hall"
- o charme natural de hugh grant em "notting hill"
- o cavalheirismo de clint eastwood em "as pontes de madison county"
- a paixão profissional de robin williams em "o clube dos poetas mortos"
- o carácter meticuloso de tim robbins em "shawshank redemption"
- o optimismo e altruísmo de roberto benigni em "a vida é bela"
- a integridade de paul giamatti em "sideways".
com tudo isto, nem o manoel de oliveira conseguiria estragar o filme da minha vida. a única coisa que o poderia fazer seria... o argumento.
os timings perfeitos
falha-se o momento, perde-se a oportunidade... e o mundo avança, sem piedade,
sem contemplações. mais uma ruga, mais 134 cabelos brancos, mais uma colecção de
frases que deveriam ter sido proferidas em determinado momento mas que só nos
surgem horas depois. a vida é construída de pequenos nadas, em que até uma mera
palavra, dita no momento exacto e com a respectiva eloquência, pode fazer toda a
diferença, seja no emprego, na vida pessoal, familiar ou numa colectividade
recreativa e social. até pode ser uma palavra tão simples como "sim", "não" ou
"trombocitopenia". a questão é dizê-la quando realmente interessa, quando ela
pode fazer toda a diferença. acumular sentimentos, remoer amarguras sem as
extravasar, reviver momentos passados ao segundo, analisando todas as
palavrinhas, vírgulas e pontos finais, é tão saudável como andar de bicicleta
nas minas da panasqueira. por mais "programados" que estejamos para enfrentar
determinado momento das nossas vidas, quando ele surge parece que o nosso
cérebro ganhou uma aridez nunca antes vista. a lógica é a mesma de um hotel ter
um dia semanal de descanso. não há nenhuma lógica que explique como é que se
pode estar preparado para algo, às vezes com o diálogo já todo decorado e na
ponta da língua, e depois, quando é realmente a valer, ficar petrificado e com
as cordas vocais entrelaçadas. o momento está lá, os intervenientes também, mas
a conversa programada dilui-se como o pó de uma saqueta de alka-seltzer num copo
de água. no final, quando o nosso cérebro recupera do choque e já conseguimos
processar novamente o argumento previamente estabelecido, apetece voltar a
chamar a pessoa, ou pessoas, para, então, repetir o momento. mas este, quando se
perde, nunca volta.
é o chamado "síndrome miles raymond" - quem viu o filme "sideways" sabe do que estou a falar. faz lembrar, também, um episódio de "seinfeld", em que george costanza é alvo de chacota no seu local de trabalho, por comer camarões em catadupa e de forma alarve ("hey george, the ocean called; they're running out of shrimp"). na altura, fica sem palavras, mas horas mais tarde lembra-se da resposta perfeita. nos dias seguintes, no escritório, tenta desesperadamente repetir a situação inicial, de forma a poder responder adequadamente ao comentário do seu colega de trabalho. obviamente, apesar de conseguir dizer o que tinha "engatilhado" há dias, o impacto não é o mesmo. os timings, nestas situações, são vitais.
george clooney, em "up in the air", é um homem solitário, habituado a viajar de um lado para o outro, sem residência fixa, sem amarras emocionais ou familiares. no entanto, quando começa a vacilar sentimentalmente, por vera farmiga, vai perdendo, sucessivamente, o momento exacto para "oficializar" o que sente, isto apesar de ela lhe dizer que "i am the woman that you don't have to worry about" (e mais tarde saberemos o que ela quis dizer com isto). quando eles se despedem, no aeroporto (where else?), depois de um fim de semana juntos, ela diz-lhe "call me when you're feeling lonely". enquanto ela se vai afastando, ele diz "i'm feeling lonely right now". mas que raio, se nem o george clooney consegue "sacar" um momento destes, que esperança temos nós, a ralé feiosa e totalmente desprovida de charme? mas confesso que gostei de ver, tanto em "500 days of summer" como em "up in the air", duas personagens femininas verdadeiramente independentes a nível emocional e de fortes convicções a nível sentimental: zooey deschanel e vera farmiga.
voltando à terra, cada um de nós é responsável pelos momentos que perde, por todas as frases que não chegou a dizer, pelos "amo-te" que não confessou, os "tens mau hálito", os "já ouviste falar em desodorizante?", ou os "raios me partam se esse decote não é das coisas mais sensuais que eu já vi na vida". em suma, por tudo o que ficou a entulhar o telencéfalo ao longo dos anos. seríamos mais felizes se tivéssemos dito tudo o que nos passou pela cabeça? nunca se saberá... mas, em todo o caso, os momentos já passaram e as oportunidades goraram-se. irreversivelmente.
é o chamado "síndrome miles raymond" - quem viu o filme "sideways" sabe do que estou a falar. faz lembrar, também, um episódio de "seinfeld", em que george costanza é alvo de chacota no seu local de trabalho, por comer camarões em catadupa e de forma alarve ("hey george, the ocean called; they're running out of shrimp"). na altura, fica sem palavras, mas horas mais tarde lembra-se da resposta perfeita. nos dias seguintes, no escritório, tenta desesperadamente repetir a situação inicial, de forma a poder responder adequadamente ao comentário do seu colega de trabalho. obviamente, apesar de conseguir dizer o que tinha "engatilhado" há dias, o impacto não é o mesmo. os timings, nestas situações, são vitais.
george clooney, em "up in the air", é um homem solitário, habituado a viajar de um lado para o outro, sem residência fixa, sem amarras emocionais ou familiares. no entanto, quando começa a vacilar sentimentalmente, por vera farmiga, vai perdendo, sucessivamente, o momento exacto para "oficializar" o que sente, isto apesar de ela lhe dizer que "i am the woman that you don't have to worry about" (e mais tarde saberemos o que ela quis dizer com isto). quando eles se despedem, no aeroporto (where else?), depois de um fim de semana juntos, ela diz-lhe "call me when you're feeling lonely". enquanto ela se vai afastando, ele diz "i'm feeling lonely right now". mas que raio, se nem o george clooney consegue "sacar" um momento destes, que esperança temos nós, a ralé feiosa e totalmente desprovida de charme? mas confesso que gostei de ver, tanto em "500 days of summer" como em "up in the air", duas personagens femininas verdadeiramente independentes a nível emocional e de fortes convicções a nível sentimental: zooey deschanel e vera farmiga.
voltando à terra, cada um de nós é responsável pelos momentos que perde, por todas as frases que não chegou a dizer, pelos "amo-te" que não confessou, os "tens mau hálito", os "já ouviste falar em desodorizante?", ou os "raios me partam se esse decote não é das coisas mais sensuais que eu já vi na vida". em suma, por tudo o que ficou a entulhar o telencéfalo ao longo dos anos. seríamos mais felizes se tivéssemos dito tudo o que nos passou pela cabeça? nunca se saberá... mas, em todo o caso, os momentos já passaram e as oportunidades goraram-se. irreversivelmente.
socialmente desenquadrado vs. confortavelmente instalado
sábado à noite.
lá fora o mundo fervilha, cheio de pessoas com vontade de se divertir, precisando, para tal, de outras pessoas com o mesmo propósito. há como que uma espécie de acordo tácito entre companheiros da noite, como se se esforçassem ao máximo para se encaixarem em variados ambientes nocturnos, numa descontracção directamente proporcional à quantidade de bebidas alcoólicas ingeridas. é um jogo, um ritual socialmente obrigatório que se divide em três categorias dominantes: os "lobos solitários", que se embrenham na noite à espera que lhes aconteça algo; os "groupies", aqueles que pertencem a um grupo consolidado há anos e que vagueiam pela noite perfeitamente "amparados" uns pelos outros; e os chamados "inadequados", aqueles que saem esporadicamente e, por norma, se sentem completamente deslocados, pouco seguros de si, ao contrário de um "lobo solitário", e sem o conforto de ser um "groupie", uma parte integrante de algo que foi construído ao longo dos tempos.
geralmente, estes "inadequados", claramente sem "bagagem" espiritual e social para se arvorarem em "lobos solitários", saem em ceias de natal, jantares de empresa, aniversários ou, menos frequente, "atrelados" a um grupo, por intermédio de alguém. raramente se sentem confortáveis em situações do género, olhando diversas vezes para o relógio, nunca sentindo os minutos a passar, pensando em todos os programas de televisão, incluindo jogos de futebol, que estão a perder, tentando fazer sentido numa qualquer conversa de circunstância com alguém, elogiando ou comentando a qualidade, ou a falta dela, da comida, olhando mais uma dezena de vezes para o relógio, até, finalmente, chegar o café.
é chegada então a altura das decisões, normalmente tomadas à porta do restaurante. "para onde vamos agora?", pergunta o núcleo duro dominante e com mais peso social. o "inadequado" vê claramente aqui a oportunidade que estava à espera. "eu amanhã tenho que me levantar cedo, por isso acho que vou andando". já os aspirantes a "groupies", à espera de uma oportunidade há algum tempo de se encostarem ao tal núcleo duro, aproveitam para, numa espécie de "casting", mostrar todas as suas potencialidades, sejam elas humorísticas, sócio-culturais ou simplesmente a baixa resistência ao álcool. há ainda quase sempre alguém "independente", que quer continuar na noite mas não quer acompanhar os outros, por não concordar com o local escolhido ou por simplesmente preferir caminhar sozinho, qual "lobo solitário". portanto, no mesmo jantar/evento/ceia/aniversário, temos os três grupos dominantes presentes.
sábado à noite. lá fora o mundo fervilha. eu estou em casa a escrever este texto, ao som delicioso do novo disco dos sun kil moon. até o gato já adormeceu com a voz melodiosa e enleante de mark kozelek. vejam lá se adivinham em qual das três categorias me incluo...
lá fora o mundo fervilha, cheio de pessoas com vontade de se divertir, precisando, para tal, de outras pessoas com o mesmo propósito. há como que uma espécie de acordo tácito entre companheiros da noite, como se se esforçassem ao máximo para se encaixarem em variados ambientes nocturnos, numa descontracção directamente proporcional à quantidade de bebidas alcoólicas ingeridas. é um jogo, um ritual socialmente obrigatório que se divide em três categorias dominantes: os "lobos solitários", que se embrenham na noite à espera que lhes aconteça algo; os "groupies", aqueles que pertencem a um grupo consolidado há anos e que vagueiam pela noite perfeitamente "amparados" uns pelos outros; e os chamados "inadequados", aqueles que saem esporadicamente e, por norma, se sentem completamente deslocados, pouco seguros de si, ao contrário de um "lobo solitário", e sem o conforto de ser um "groupie", uma parte integrante de algo que foi construído ao longo dos tempos.
geralmente, estes "inadequados", claramente sem "bagagem" espiritual e social para se arvorarem em "lobos solitários", saem em ceias de natal, jantares de empresa, aniversários ou, menos frequente, "atrelados" a um grupo, por intermédio de alguém. raramente se sentem confortáveis em situações do género, olhando diversas vezes para o relógio, nunca sentindo os minutos a passar, pensando em todos os programas de televisão, incluindo jogos de futebol, que estão a perder, tentando fazer sentido numa qualquer conversa de circunstância com alguém, elogiando ou comentando a qualidade, ou a falta dela, da comida, olhando mais uma dezena de vezes para o relógio, até, finalmente, chegar o café.
é chegada então a altura das decisões, normalmente tomadas à porta do restaurante. "para onde vamos agora?", pergunta o núcleo duro dominante e com mais peso social. o "inadequado" vê claramente aqui a oportunidade que estava à espera. "eu amanhã tenho que me levantar cedo, por isso acho que vou andando". já os aspirantes a "groupies", à espera de uma oportunidade há algum tempo de se encostarem ao tal núcleo duro, aproveitam para, numa espécie de "casting", mostrar todas as suas potencialidades, sejam elas humorísticas, sócio-culturais ou simplesmente a baixa resistência ao álcool. há ainda quase sempre alguém "independente", que quer continuar na noite mas não quer acompanhar os outros, por não concordar com o local escolhido ou por simplesmente preferir caminhar sozinho, qual "lobo solitário". portanto, no mesmo jantar/evento/ceia/aniversário, temos os três grupos dominantes presentes.
sábado à noite. lá fora o mundo fervilha. eu estou em casa a escrever este texto, ao som delicioso do novo disco dos sun kil moon. até o gato já adormeceu com a voz melodiosa e enleante de mark kozelek. vejam lá se adivinham em qual das três categorias me incluo...
essas coisas chatas chamadas palavras
tenho tempo agora. talvez aproveite para escrever alguma coisa. sinto saudades
de escrever, aquele escrever entusiasmado, em que uma palavra puxa outra e essa
uma outra, encaixando tudo no final. escrever ao mesmo ritmo do pensamento, da
formulação das ideias, do desenvolvimento de um tema.
neil hannon, líder dos divine comedy, disse em tempos que os seus melhores trabalhos foram compostos quando vivia grandes desgostos amorosos. nunca me esqueci dessa sua frase, porque imagino que, se fosse escritor de canções, seria exactamente assim. o problema é que quando tinha desgostos amorosos... não havia internet ainda. limitava-me a escrever o nome da pessoa amada nos meus cadernos e livros escolares, a fazer aqueles corações com uma seta a atravessá-los, a escrever cartas que depois, por timidez, nunca eram entregues...
com a internet, é tudo muito mais simples. hoje consegue-se encontrar toda a gente, seja no facebook, no hi5, no netlog, no my space, sem sair do conforto do lar. depois de encontrar a pessoa pretendida, é só teclar... e nem é preciso saber escrever. agora, pelos vistos, faz-se tudo com parêntesis, pontos e vírgula e dois pontos a imitar expressões faciais. aventuras como a que eu tive, aos 13/14 anos, de andar cerca de 10 quilómetros de bicicleta para tentar encontrar uma rapariga, de quem só conhecia o nome e a aldeia onde morava, tornaram-se obsoletas. tal como escrever cartas, conquistar alguém pelo poder das palavras, qual cyrano de bergerac, mostrar determinação e empenho na conquista da pessoa amada.
as palavras têm cada vez menos significado, perdendo impacto e valor. aliás, as palavras têm sido sistematicamente amputadas ao longo dos anos, seja na internet, nos telemóveis ou até mesmo no nosso dia-a-dia. se a palavra é competitividade, por exemplo, as pessoas dizem "competividade", para ser mais rápido; se uma pessoa quer saber se a outra está bem, não pergunta "estás bem?", diz somente "tá-se?". depois há os "tb", os "pq", os "qq", etc..
em suma, escrever é uma valente maçada para a maior parte das pessoas, especialmente escrever correctamente. manter um "diálogo" virtual na internet com alguém, depois de conseguir facilmente o seu mail ou a página de facebook, é agora uma tarefa ao alcance de qualquer um, mesmo que não tenha a mínima noção da língua portuguesa, escrita ou falada. bastam uns quantos "lol", umas carinhas com pontos e vírgula e parêntesis e está o assunto tratado. ainda me lembro, posso não ter grandes qualidades mas reconheço que tenho uma boa memória, de a minha primeira namorada me ter apontado um erro ortográfico na primeira carta que lhe escrevi (sim, foi apenas um!...), quando tinha 14 anos. escrevi "ei-de" em vez de "hei-de". duvido que hoje exista essa preocupação de corrigir, de alertar alguém para um erro ortográfico ou verbal. quantos "ouvistes", "fizestes", "quaisqueres" ou "há-dem" uma pessoa ouve por dia? dezenas? centenas? até fere os ouvidos.
este cenário, infelizmente, com a profusão de telemóveis, a utilização em massa da internet, as redes sociais, messenger, etc., tem clara tendência para piorar. o lema universal parece ser "abreviar, facilitar e despachar". nos dias de hoje, aquele rapaz da bicicleta e das cartas de amor não teria a mínima hipótese...
neil hannon, líder dos divine comedy, disse em tempos que os seus melhores trabalhos foram compostos quando vivia grandes desgostos amorosos. nunca me esqueci dessa sua frase, porque imagino que, se fosse escritor de canções, seria exactamente assim. o problema é que quando tinha desgostos amorosos... não havia internet ainda. limitava-me a escrever o nome da pessoa amada nos meus cadernos e livros escolares, a fazer aqueles corações com uma seta a atravessá-los, a escrever cartas que depois, por timidez, nunca eram entregues...
com a internet, é tudo muito mais simples. hoje consegue-se encontrar toda a gente, seja no facebook, no hi5, no netlog, no my space, sem sair do conforto do lar. depois de encontrar a pessoa pretendida, é só teclar... e nem é preciso saber escrever. agora, pelos vistos, faz-se tudo com parêntesis, pontos e vírgula e dois pontos a imitar expressões faciais. aventuras como a que eu tive, aos 13/14 anos, de andar cerca de 10 quilómetros de bicicleta para tentar encontrar uma rapariga, de quem só conhecia o nome e a aldeia onde morava, tornaram-se obsoletas. tal como escrever cartas, conquistar alguém pelo poder das palavras, qual cyrano de bergerac, mostrar determinação e empenho na conquista da pessoa amada.
as palavras têm cada vez menos significado, perdendo impacto e valor. aliás, as palavras têm sido sistematicamente amputadas ao longo dos anos, seja na internet, nos telemóveis ou até mesmo no nosso dia-a-dia. se a palavra é competitividade, por exemplo, as pessoas dizem "competividade", para ser mais rápido; se uma pessoa quer saber se a outra está bem, não pergunta "estás bem?", diz somente "tá-se?". depois há os "tb", os "pq", os "qq", etc..
em suma, escrever é uma valente maçada para a maior parte das pessoas, especialmente escrever correctamente. manter um "diálogo" virtual na internet com alguém, depois de conseguir facilmente o seu mail ou a página de facebook, é agora uma tarefa ao alcance de qualquer um, mesmo que não tenha a mínima noção da língua portuguesa, escrita ou falada. bastam uns quantos "lol", umas carinhas com pontos e vírgula e parêntesis e está o assunto tratado. ainda me lembro, posso não ter grandes qualidades mas reconheço que tenho uma boa memória, de a minha primeira namorada me ter apontado um erro ortográfico na primeira carta que lhe escrevi (sim, foi apenas um!...), quando tinha 14 anos. escrevi "ei-de" em vez de "hei-de". duvido que hoje exista essa preocupação de corrigir, de alertar alguém para um erro ortográfico ou verbal. quantos "ouvistes", "fizestes", "quaisqueres" ou "há-dem" uma pessoa ouve por dia? dezenas? centenas? até fere os ouvidos.
este cenário, infelizmente, com a profusão de telemóveis, a utilização em massa da internet, as redes sociais, messenger, etc., tem clara tendência para piorar. o lema universal parece ser "abreviar, facilitar e despachar". nos dias de hoje, aquele rapaz da bicicleta e das cartas de amor não teria a mínima hipótese...