quinta-feira, maio 10, 2012

os cafés curtos desta vida

a distância pode ser cruel e, por vezes, intolerantemente dolorosa. no entanto, acredito que a saudade embeleza os sentimentos, ajuda a moldá-los da forma correcta. perdemos muito tempo a contemplar o que já vivemos, a recordar quem nos faz falta. vagueamos pelas ruas e conseguimos facilmente vislumbrar nos semblantes das outras pessoas o mesmo aspecto carregado de saudosismo.
toda a gente sente a falta de alguém. toda a gente faz falta. é um fenómeno de massas. há pessoas que passam por nós diariamente, seja um carteiro, um polícia ou um estafeta, que certamente estará a fazer falta a alguém. todavia, a nós não nos dizem nada, literalmente. aliás, muito dificilmente me dirão algo, na medida em que, diariamente, exceptuando o trabalho, só comunico basicamente com empregados de café.
o tempo que passamos longe das pessoas de quem gostamos é interminável. por outro lado, o tempo que gastamos, ou perdemos, com pessoas que não nos dizem nada é uma monstruosa amargura. os dias passam e a frieza dos minutos, das horas a passar tornam-nos cada vez mais azedos, mais tristes. é muito fácil deixarmo-nos viciar pela tristeza, pela depressão. por vezes até é cómodo. é uma desculpa, como outra qualquer, para não funcionarmos, para vegetar.
há certamente pessoas com quem queremos estar, que querem estar connosco. mas quando olhamos à volta, vemos que não são aquelas que nos rodeiam. o mesmo sucederá com as outras pessoas em relação a mim... e por aí adiante. é praticamente um genocídio sentimental. e continuamos a perder tempo, dias, semanas, meses, sempre a ansiar por um reencontro, um regresso.
há quem acredite que a partir de uma certa idade se perde o luxo de ter amigos só por amizade. inventam-se novas categorias: "amigos de amigos", "amigos de familiares", "amigo que dá jeito porque eu não faço ideia de como se compõe uma persiana", "amigo que um dia me pode ser muito útil quando quiser abrir uma loja de peças para torradeiras", "amigo que me leva o carro à inspecção todos os anos se eu lhe pedir", etc.. a vida "obriga-nos" a alargar os nossos horizontes em termos sociais, dando especial relevo à via profissionalizante desses nossos contactos.
infelizmente, ou felizmente, ainda não decidi, não enveredei por essa prática. como já referi, o meu "público" são as funcionárias e os funcionários dos cafés e restaurantes. o resto do meu tempo é... para o saudosismo. nunca tive vocação nenhuma para estabelecer qualquer tipo de cumplicidade com desconhecidos. até fujo desse tipo de situações. por isso, abracei a solidão, habituei-me a ela. dessa forma, evito ser avaliado ou julgado, ou estar numa posição desconfortável de tentar agradar a alguém. os amigos que (ainda) tenho já vêm de longe e é deles que tenho saudade.
há quem endeuse esta palavra (saudade), mas ela é apenas o sinal evidente de que há qualquer coisa que não está bem. ou seja, alguém não está onde devia estar. simplesmente! saudade é amor ou amizade que se gasta sem proveito, provavelmente enquanto estamos a almoçar sozinhos numa esplanada qualquer, em silêncio, pensando que poderíamos estar a ter uma conversa estimulante com um amigo. ao invés, estamos enclausurados num básico "boa tarde, queria um café curto, se faz favor" (café esse que nunca, mas nunca mesmo, vem como a gente o pediu, ou seja, curto), provando que metade do que dizemos não se ouve mesmo (e eu já digo tão pouco...).
e o tempo vai-se gastando... sem piedade. fica, como consolação, o facto de imaginarmos que, algures, a 100 metros, a 10 ou a 800 quilómetros, haverá alguém a sentir o mesmo por nós. só espero que tenha mais sorte do que eu em relação ao café curto...

Sem comentários:

Enviar um comentário