quinta-feira, maio 10, 2012
padrões e valores morais
serei alguma vez capaz de atingir os meus próprios padrões em termos de
personalidade? é complicado estabelecer comparações e juízos de valor sobre uma
pessoa quando verificamos que padecemos dos mesmos defeitos. a rita (nome
fictício de marta) é intriguista, básica, fútil, hipócrita, tem mau hálito e um
hábito terrível de citar fernando pessoa sempre que lhe perguntam o que quer de
sobremesa. tudo bem, a rita pode ser isto tudo, mas é fabulosamente agradável em
termos visuais. o rafael (igualmente nome fictício de marta, curiosamente) deve
sentir-se mal por ser amigo dela? por preferir as virtudes físicas às virtudes
morais? por deixar arrastar uma "amizade" que nada de psicologicamente
estimulante lhe oferece? se analisarmos estas últimas três pertinentes questões
pelo lado masculino, chegamos à conclusão de que o rafael quer, efectivamente,
apenas "saltar para a cueca" da rita. ou então nem tanto, tendo em conta o tal
problema do mau hálito da rapariga, quer apenas ser visto com ela, ser invejado
pelo resto da sua espécie. o rafael criou durante largos anos, baseando-se em
revistas, programas nocturnos com bolinha vermelha no canto superior direito e
na sua professora de inglês do 8º ano, um consistente ideal de beleza. na sua
transição da adolescência para a vida adulta, conheceu centenas de mulheres,
umas mais inteligentes, outras mais atraentes, sempre com os mesmos padrões
físicos embutidos no cérebro. depois de uma interminável travessia pelo deserto
(em sentido figurado, claro, porque ele não conseguiu os mínimos para participar
no rally lisboa dakar), rafael conheceu rita. dois segundos depois, a sua libido
deu cambalhotas de contentamento. dois minutos depois, a libido foi-se deitar
novamente, por manifesto cansaço. meia hora depois, a libido acordou porque
alguém estava a bater à porta, mas era engano. ou seja, o estímulo visual criado
pela rita foi-se desvanecendo com o tempo e o pobre do rafael começou a ficar
dividido. ouvir horas e horas de conversas fúteis e insípidas só porque ela é
efectivamente uma "brasa" ou continuar a procurar alguém que reúna as vertentes
psicológica e física num só corpo? pepsi ou coca-cola? fifa 2008 ou pro
evolution soccer 2008? conan 0'brien ou jon stewart? miguel sousa tavares ou
vasco pulido valente? pois, o rafael não sabe o que fazer. chega a sentir-se mal
ao lado da rita porque sente que está a atraiçoar os seus próprios valores e
padrões. sente que não é aquilo que ele representa. sente que poderia
perfeitamente estar a ter conversas muito mais interessantes e estimulantes com
outras pessoas, que poderia estar a cultivar-se e a aprender. a rita, por sua
vez, gosta muito de estar com o rafael, acha que ele é boa pessoa, com um
sentido de humor um bocado esquisito (que ela muitas vezes não entende mas sorri
na mesma para mostrar que percebeu a piada) e umas referências musicais e
cinematográficas estranhas (cinema europeu? isso existe?). no entanto, ao mesmo
tempo também acha que o rafael é intriguista, básico, fútil, hipócrita, tem mau
hálito e um hábito terrível de assobiar o refrão da música "the final
countdown", dos europe, antes de tomar café.
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