estou cada vez mais convencido de que estou neste mundo apenas para ver, não me 
interessando minimamente participar. na minha juventude saltei todas as etapas 
que a maioria considerava fulcrais: baile de finalistas, praxes, latadas, 
queimas... ao invés, entrei cedo no mercado de trabalho porque queria definir 
rapidamente o meu futuro. é o que dá crescer num corpo que sempre aparentou ter 
cinco ou seis anos a mais do que os verdadeiros. no liceu, quando comparavam a 
minha envergadura física com a dos meus restantes colegas, não faltavam pessoas 
a pensar que eu precisava de três anos para passar um ano de escolaridade. 
quando jogava futebol federado acontecia o mesmo "drama": quando era iniciado, 
diziam que havia aldrabice porque eu parecia juvenil; quando cheguei a juvenil, 
fartava-me de ouvir bocas do público (geralmente quando jogava fora de casa), 
acusando-me de já ser júnior. finalmente, ao chegar a júnior, pude descansar um 
pouco, mas havia sempre um "esperto" qualquer a chamar-me de sénior, 
provavelmente por causa da minha barba (que cresce desmesuradamente desde os 
meus 13 anos). assim, todas estas pequenas incidências (com grande impacto no 
meu crescimento) fizeram com que eu desejasse chegar o mais rapidamente possível 
ao mundo dos adultos. agora que aqui estou, que já dei umas voltas para ver o 
ambiente e meti conversa com dois ou três espécimes, apetece-me pagar a conta, 
meter-me no carro e voltar ao ano de 1988 (não faço a mínima ideia de qual será 
a melhor estrada para isso, vou tentar ir por ermesinde, virando à direita em 
esposende, atravessando o douro em amarante e cortando à esquerda em carrazeda 
de ansiães). sim, confesso que sinto a falta de alguma loucura, de alguma 
irreverência, de alguma extravagância juvenil. e porquê? pode parecer estúpido 
agora, mas na altura não queria defraudar aquelas pessoas que já viam em mim, um 
puto de 14/15 anos, um adulto, e tentei ser o mais "atinadinho" possível, sem 
desvios comportamentais ou psicológicos. quando se cresce num meio pequeno, onde 
toda a gente se conhece, é complicado cometer um pequeno devaneio que seja sem 
se ficar imediatamente conotado ou rotulado. mesmo assim, foi nessa miserável 
terra que tive oportunidade de experimentar um "cheirinho" das três profissões 
que, desde cedo, queria seguir: fui futebolista durante seis anos, tendo 
chegado, no penúltimo ano, à selecção distrital sub-17 de viseu, como 
defesa-central (a minha altura tinha que servir para alguma coisa); actuei ao 
vivo, como músico (escrito assim até parece algo de especial, mas já de seguida 
vão ficar a saber que... nem por isso), como elemento da escola de música 
"lira", interpretando, no órgão, a famosa canção popular francesa do século 
XVIII "au clair de la lune"; e fiz teatro amador durante quatro anos, chegando a 
acumular, na mesma peça ("o saco das nozes"), dois papéis (marido violento e 
padre). recordo com particular saudade os ensaios, as actuações, o friozinho que 
corria pela espinha quando se aproximava a altura de entrar em palco, o alívio 
enorme quando acabava uma sessão, as diabólicas cócegas que os bigodes postiços 
causavam, a roupa desconfortável e os sapatos apertados, a férrea resistência a 
qualquer boca que viesse da assistência para nos fazer rir, as cábulas 
escondidas no cenário para não falharmos uma deixa, os improvisos, as "brancas", 
as pancadinhas de moliére e... os aplausos, que felizmente eram sempre muitos. 
bons tempos! dos melhores, certamente, que passei naquela miserável 
terra.
quando mudei para outra terra, senti-me revigorado, pronto para 
recomeçar a construir um outro eu, uma nova identidade. fiz amigos, criei novas 
rotinas e cresci bastante em termos psicológicos, sociais e intelectuais. 
rapidamente me entrosei, me senti em casa. no meu primeiro ano de liceu em 
viseu, 10º ano de escolaridade, vivia mesmo no centro da cidade. apetecia-me 
sempre andar na rua, passear pela rua formosa, cheirar as tílias do rossio e a 
relva molhada do parque aquilino ribeiro (por onde passava todos os dias para ir 
às aulas), calcorrear a rua direita e a zona histórica... foi um gigantesco 
"banho" de viseu, um novo baptismo espiritual, que me fez cair de amores por 
esta cidade para o resto da vida.
três anos depois, deu-se a despedida. 
coimbra chamou por mim. ainda lhe dei o benefício da dúvida durante uns meses, 
mas a minha cidade de eleição já tinha sido encontrada. senti-me desamparado em 
coimbra, não fui capaz de absorver a cidade da mesma forma. sabia que me estava 
a enganar a mim mesmo ao prolongar aquele martírio, mas não queria desapontar os 
meus pais, especialmente a minha mãe, grande admiradora do fado de coimbra, das 
tunas e das serenatas. mas algum tempo depois o barco bateu no icebergue 
(excelente analogia! diria mais: brilhante!). desabafei com os meus pais, 
dei-lhes um grande desgosto e uma desilusão que jamais esqueceram (a minha mãe 
suspira sempre que vê uma tuna na televisão) e voltei. adeus latadas, queimas, 
bebedeiras de caixão à cova, concertos do quim barreiros, sexo desenfreado sem 
obrigações morais, "directas" a estudar, pequenos-almoços às cinco da tarde, 
mais concertos do quim barreiros, mais sexo desenfreado sem obrigações morais e 
sem telefonema obrigatório no dia seguinte, preservativos de todas as cores, 
lingerie comestível, cogumelos esquisitos, "o bacalhau quer alho" em altos 
berros, sexo desenfreado com gémeas polacas do erasmus, colecção de garrafas 
vazias de absinto na cozinha, pilha de roupa suja na marquise, cama por fazer há 
quatro meses, quim barreiros novamente e, para acabar, sexo desenfreado no banco 
traseiro de um renault 5 laureate gtl com a equipa feminina de voleibol do 
castêlo da maia. perdi tudo isto, sem que alguma vez possa recuperar seja o que 
for (bem, talvez o quim barreiros). será que quem passou por isto tudo atribui 
alguma importância a estes anos das suas vidas? creio que sim, pelo menos a 
acreditar em alguns meus amigos. entraram na vida adulta mais aliviados, mais 
leves, em clara descompressão. esgotaram totalmente o plafond de "loucuras 
permitidas" que lhe foi atribuído aquando da entrada na universidade e 
encararam, de forma positiva, a vida laboral, com memórias e incidências 
suficientes para centenas de coffee-breaks nas empresas onde trabalham. as 
minhas histórias, quando muito, dariam para uma pausa para um cigarro no parque 
de estacionamento. nem sequer para um charuto davam. mas já estou completamente 
resignado, acreditem. por estes dias, depois de intensa introspecção e alguma 
terapia, só ainda não consegui tirar da cabeça as gémeas polacas do programa 
erasmus...
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