(artigo publicado no dia 7 de dezembro de 2020)
Marcelo Rebelo de Sousa anuncia hoje se avança para as eleições presidenciais, agendadas para o dia 24 de Janeiro de 2021. Após meses de silêncio sobre essa matéria, o presidente da República, que completará 72 anos no próximo sábado, irá fazer a declaração mais previsível de sempre. A um mês e meio das eleições, num contexto pandémico, o que seria deste país se hoje Marcelo Rebelo de Sousa declarasse que não se recandidataria ao cargo?
Em primeiro lugar, seria o primeiro presidente da República a não cumprir o segundo mandato. Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva fizeram dois mandatos, fazendo uma transição natural do primeiro para o segundo. Até as reeleições de Soares e Sampaio foram pacíficas, apesar das fortes emoções provocadas na primeira eleição. Ainda hoje me recordo bem das vitórias suadas de ambos frente a Freitas do Amaral e Cavaco Silva, em eleições bem renhidas. Em 1986, Mário Soares venceu, na segunda volta, por apenas 140 mil votos (51,18% contra 48,82%), depois de Freitas do Amaral não ter conseguido vencer na primeira volta por uma unha negra. Em 1996, Jorge Sampaio obteve 53,91% dos votos, contra os 46,09% de Cavaco Silva, que só chegaria ao lugar dez anos depois. O cenário foi muito mais simples na corrida para o segundo mandato: Soares chegou aos 71%, contra os 14% de Basílio Horta, e Sampaio obteve 56%, contra os 34% de Ferreira do Amaral.
Quanto a Cavaco Silva, teve uma primeira eleição pacífica (50% dos votos, com Manuel Alegre a conquistar apenas 20%) e uma segunda ainda menos problemática (53% contra 19% do mesmo Manuel Alegre). Cenário semelhante teve Ramalho Eanes nas primeiras eleições presidenciais do país, em 1976, que venceu com 61,5% dos votos, muito longe dos 16% de Otelo Saraiva de Carvalho, sendo a reeleição um pouco mais disputada (56% contra os 40% de Soares Carneiro).
Em 2016, Marcelo Rebelo de Sousa chegou à presidência da República com 52% dos votos, deixando Sampaio da Nóvoa bem longe (22%). Partirá, agora, para um segundo mandato, onde terá pela frente Ana Gomes, André Ventura, Marisa Matias, João Ferreira, Tiago Mayan Gonçalves e o cabotino Vitorino Silva (Tino de Rans).
Goste-se ou não do conteúdo ou da forma, do popularismo dos afectos ou da extrapolação dos sentimentos, Marcelo tem sido o presidente mais próximo dos portugueses que alguma vez tivemos. O seu antecessor foi o exemplo acabado do que pode ser um presidente de República completamente antagónico, distante, alheado e neutral. Tivemos um presidente presente, às vezes até demais, que não resumiu o seu impacto a um raio de 20 quilómetros do Palácio de Belém, que esteve ao lado das populações aquando da calamidade dos incêndios, em 2017, e que agora não vira as costas à luta contra a pandemia, continuando na linha da frente. São situações em que precisamos de um presidente da República proactivo, enérgico, humanista e interventivo.
Claro que protagonizou alguns excessos, embriagado pela popularidade que foi conquistando em todo o país. Lembro-me de uma situação, poucos dias após os trágicos incêndios de 15 de Outubro de 2017, em que Marcelo foi ao Hospital de Viseu visitar as vítimas. Acompanhei-o, como jornalista, em todo o percurso, menos nas enfermarias, e ele nunca se furtou a uma selfie solicitada pelos profissionais de saúde que ia encontrando, distribuindo sorrisos, gargalhadas e cumprimentos ruidosos. O momento era de consternação e tristeza, mas o chip de presidente dos afectos sobrepunha-se a todos os outros, transformando uma visita de pesar e de conforto às vítimas numa qualquer arruada de campanha eleitoral.
Quando traçamos uma comparação, novamente, com o seu antecessor, saltam à vista as gritantes diferenças de personalidade. Voltamos a ter alguém no cargo que justifica a existência desse mesmo cargo, quando de 2006 a 2016 ninguém sabia para que raio servia um presidente da República. Além disso, trouxe harmonia e consensualidade política ao país, surgindo novamente como a escolha dos dois principais partidos nacionais. Nas próximas eleições, não terá adversário à altura, mais uma vez.
Todos sabemos que Marcelo se vai recandidatar. Mas imaginem que anunciava o contrário e que, a 48 dias das eleições, nem o PS, nem o PSD tinham candidato! Como seria? Quem se chegaria à frente? Se, com Marcelo, poucos se atreveram a ir a eleições, receando uma derrota inapelável, quem colocaria de imediato a campanha a rolar para lhe suceder? Porque concorrer contra Gomes, Ventura, Matias e afins não seria o mesmo do que enfrentar Marcelo…
Com quatro partidos a apresentar candidato próprio, Bloco de Esquerda, Chega, PCP e Iniciativa Liberal, não restaria outra solução a PS e PSD. Não me parece plausível que o PS apoiasse Ana Gomes, que já tem o apoio do PAN. O mesmo aconteceria com o PSD em relação a André Ventura. Sim, eu sei que esse tiro no pé já foi executado nos Açores, mas não creio que Rui Rio tenha vocação para kamikaze. Ou seja, o que nos restaria em termos de figuras presidenciáveis? João Soares? Marques Mendes? Pedro Passos Coelho? António José Seguro? Morais Sarmento? Rui Rio? Pedro Santana Lopes? Alberto João Jardim? (porque não, o Tino de Rans também é candidato…)
Os portugueses têm andado entretidos este ano e motivos não faltam. O mandato do actual presidente da República passou rapidamente. Os nomes que surgiram para a corrida presidencial não estimularam ninguém, nem o próprio Marcelo. Vamos ter eleições daqui a 48 dias e sabemos antecipadamente quem vai ser o vencedor. Ou seja, aquelas épicas eleições para o primeiro mandato de Soares e Sampaio não se repetirão tão cedo. Talvez em 2026 tenhamos a oportunidade de ter mais do que um candidato forte. Apostas? Eu deixo as minhas: António Guterres, Durão Barroso, Paulo Portas e Rui Moreira. Quem ganharia?
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