a distância pode ser cruel e, por vezes, intolerantemente dolorosa. no entanto, 
acredito que a saudade embeleza os sentimentos, ajuda a moldá-los da forma 
correcta. perdemos muito tempo a contemplar o que já vivemos, a recordar quem 
nos faz falta. vagueamos pelas ruas e conseguimos facilmente vislumbrar nos 
semblantes das outras pessoas o mesmo aspecto carregado de saudosismo.
toda a 
gente sente a falta de alguém. toda a gente faz falta. é um fenómeno de massas. 
há pessoas que passam por nós diariamente, seja um carteiro, um polícia ou um 
estafeta, que certamente estará a fazer falta a alguém. todavia, a nós não nos 
dizem nada, literalmente. aliás, muito dificilmente me dirão algo, na medida em 
que, diariamente, exceptuando o trabalho, só comunico basicamente com empregados 
de café.
o tempo que passamos longe das pessoas de quem gostamos é 
interminável. por outro lado, o tempo que gastamos, ou perdemos, com pessoas que 
não nos dizem nada é uma monstruosa amargura. os dias passam e a frieza dos 
minutos, das horas a passar tornam-nos cada vez mais azedos, mais tristes. é 
muito fácil deixarmo-nos viciar pela tristeza, pela depressão. por vezes até é 
cómodo. é uma desculpa, como outra qualquer, para não funcionarmos, para 
vegetar.
há certamente pessoas com quem queremos estar, que querem estar 
connosco. mas quando olhamos à volta, vemos que não são aquelas que nos rodeiam. 
o mesmo sucederá com as outras pessoas em relação a mim... e por aí adiante. é 
praticamente um genocídio sentimental. e continuamos a perder tempo, dias, 
semanas, meses, sempre a ansiar por um reencontro, um regresso.
há quem 
acredite que a partir de uma certa idade se perde o luxo de ter amigos só por 
amizade. inventam-se novas categorias: "amigos de amigos", "amigos de 
familiares", "amigo que dá jeito porque eu não faço ideia de como se compõe uma 
persiana", "amigo que um dia me pode ser muito útil quando quiser abrir uma loja 
de peças para torradeiras", "amigo que me leva o carro à inspecção todos os anos 
se eu lhe pedir", etc.. a vida "obriga-nos" a alargar os nossos horizontes em 
termos sociais, dando especial relevo à via profissionalizante desses nossos 
contactos.
infelizmente, ou felizmente, ainda não decidi, não enveredei por 
essa prática. como já referi, o meu "público" são as funcionárias e os 
funcionários dos cafés e restaurantes. o resto do meu tempo é... para o 
saudosismo. nunca tive vocação nenhuma para estabelecer qualquer tipo de 
cumplicidade com desconhecidos. até fujo desse tipo de situações. por isso, 
abracei a solidão, habituei-me a ela. dessa forma, evito ser avaliado ou 
julgado, ou estar numa posição desconfortável de tentar agradar a alguém. os 
amigos que (ainda) tenho já vêm de longe e é deles que tenho saudade.
há quem 
endeuse esta palavra (saudade), mas ela é apenas o sinal evidente de que há 
qualquer coisa que não está bem. ou seja, alguém não está onde devia estar. 
simplesmente! saudade é amor ou amizade que se gasta sem proveito, provavelmente 
enquanto estamos a almoçar sozinhos numa esplanada qualquer, em silêncio, 
pensando que poderíamos estar a ter uma conversa estimulante com um amigo. ao 
invés, estamos enclausurados num básico "boa tarde, queria um café curto, se faz 
favor" (café esse que nunca, mas nunca mesmo, vem como a gente o pediu, ou seja, 
curto), provando que metade do que dizemos não se ouve mesmo (e eu já digo tão 
pouco...).
e o tempo vai-se gastando... sem piedade. fica, como consolação, o 
facto de imaginarmos que, algures, a 100 metros, a 10 ou a 800 quilómetros, 
haverá alguém a sentir o mesmo por nós. só espero que tenha mais sorte do que eu 
em relação ao café curto...
Sem comentários:
Enviar um comentário