terça-feira, maio 30, 2023

autópsia de uma morte anunciada



pergunta-me de que maneira te amo...

se não o entenderes antes disso, a minha autópsia vai responder assertivamente.

quando me abrirem, será fácil de aferir que morri com o coração despedaçado, morri de desgosto, morri pelo acumular de dias sem te ver, sem te sentir, sem te tocar, sem provar os teus lábios...

morri porque não estava a viver. estava simplesmente a existir, em piloto automático. e o pior é que eu já tinha experimentado viver, a sério, quando te perdi. o termo de comparação abriu a minha própria cova. se isto é viver, não quero.

como voltar a viver se a principal razão dessa vida já não está nos teus dias, já não é contemplação para os teus olhos, toque para as tuas mãos, cheiro para o teu nariz, som para os teus ouvidos?

os abraços deixaram de fazer sentido.

os beijos recusaram-se a sair, em protesto.

as mãos perderam a noção do toque.

lembram-se do que era pousar sobre a tua perna esquerda quando partilhávamos qualquer mesa, de como era tirar-te o cabelo da frente dos olhos, de o passar por cima da tua orelha, de sentir os arrepios quando passavam na tua nuca.

o meu peito reclama a presença da tua cabeça, em descanso, em dormida fugaz, exaspera pelas tuas mãos, pela forma como lhe batias para o sentir a vibrar ou como o acariciavas em reverência.

quando me abrirem, vão finalmente ver que me faltou algo a determinado momento, como faltam as pilhas aos brinquedos, o combustível aos carros e as teclas aos teclados.

feneci porque não estás, não estiveste, durante muito tempo. essa ausência de oxigénio sentimental provocou danos irreparáveis. foi como dar a capacidade a um cego de ver durante duas semanas e depois voltar a tirar-lhe a visão, a um paralítico de conseguir andar momentaneamente, a um surdo de ouvir centenas de músicas e depois voltar a relegá-lo à mais insípida surdez...

pergunta-me de que maneira te amo...

quando te tinha comigo, flutuava; quando te perdia, entendia que era impossível alguma vez voltar a amar assim. de todas as vezes. era inevitável. o sofrimento toldava tudo à minha volta, toda a gente parecia monotamente igual, os dias passavam sem uma ponta de interesse, sem abrir uma garrafa de vinho tinto alentejano, sem estabelecer planos, sem a ansiedade tão característica de quem não aguentava mais de saudades, de quem apenas começava a viver realmente quando colocava os olhos em ti e via exactamente o mesmo desespero refletido pela avidez de um reencontro há muito desejado.

aqui, neste sítio, neste momento, sinto que não te tenho. sinto que te perdi para sempre. sinto que esgotei todas as minhas possibilidades de ser feliz. sinto que desbaratei tudo de bom que me aconteceu nos últimos anos. sinto que os meus olhos nunca se irão regalar como se regalaram ao ver-te. sinto que as minhas mãos jamais me voltarão a respeitar por te ter deixado escapar. sinto que o meu peito, lentamente, irá definhar de saudades do teu pousar. tal como ele, tudo definhará. de que adianta manter tudo ligado à corrente se aquilo que o corpo mais quer, nestas circunstância, é a escuridão, o negrume, as trevas?!...

pergunta-me de que maneira te amo...

não perguntes.. porque tu sabes bem a resposta. sabes porque me amas da mesma forma, mas temos formas diferentes de o demonstrar. se eu não o soubesse ou não tivesse essa férrea certeza, não estaria a sofrer tanto com este castigo de não te ver há mais de dois meses... se antes custava tanto, mas tanto mesmo, ficar três ou quatro dias sem te ver, imagina agora... custa a respirar, custa a levantar de manhã sem essa perspectiva, dói ao deitar quando faço mais um risco no calendário a registar mais um dia perdido. e acredita, os dias sem ti são a mais profunda definição de dias perdidos. é isso que a minha autópsia vai revelar. causa da morte? demasiados dias sem ver a pessoa amada.

pergunta-me de que maneira te amo...

infinitamente! não há outra resposta possível. nem nunca irá haver. falas em maldição. eu falo em certeza vitalícia. o amor não chega, é verdade, por vezes não chega, mas, quando ele existe e teima em não fugir, é a melhor garantia que podemos ter. mesmo que sinta que te perdi para sempre, ficas a saber que podes, mesmo assim, contar com essa certeza até ao fim dos meus e dos teus dias. 

sei perfeitamente qual vai ser a minha reacção quando voltar a colocar os meus olhos nos teus. tu vais entender, eu vou entender. nem precisaremos de falar. as palavras, por vezes, atrapalham, confundem, magoam, atingem, mas os olhos nunca o fizeram. quando me olhares nos olhos vais entender. tal como eu vou entender. é a tal certeza inquebrável. os nossos olhos conhecem-na. os nossos corações também. vamos deixá-los "falar" quando nos reencontrarmos. eles sabem a quem pertencem...

sábado, maio 27, 2023

a barra que nunca foi pesada...


 


nunca fui um grande adepto de praia, confesso, e por vários motivos. toda a logística relacionada com o guarda-sol, o incómodo da areia, o facto de nunca arranjar posição para me estender (de costas, de lado, de barriga para baixo...), colocar o protector solar, ficar com as mãos todas peganhentas, toda a poluição sonora à volta, os vendedores de bolinhas, etc. além disso, ir à água é sempre uma aventura, porque se o mar não estiver calminho, nunca me atrevo a deixar a água passar acima da cintura. mas sim, eu sei que faz bem, a importância do iodo, bem como o jackpot químico que por lá consumimos: cloro, sódio, magnésio e potássio.
apesar de tudo isto, não nego que a praia tem os seus encantos, sobretudo fotográficos. com muito cuidado, para não encher a máquina de areia, ela oferece uma diversidade riquíssima de pormenores, das ondas às gaivotas, das dunas ao pôr do sol, a preto e branco ou a cores. sempre me deliciei a tirar fotos neste contexto e essa é uma das características relacionadas com a praia que mais prezo.
as outras prendem-se com as pessoas que estiveram ao meu lado. quando ia com os meus filhos, era sempre uma galhofa completa. não sou daqueles que ficam pasmados a torrar ao sol, inerte e adormecido, antes pelo contrário, gosto de estar sempre em movimento (lá está, também pelo facto de nunca conseguir arranjar uma posição confortável na toalha). com o pedro e a mariana por perto, isso estava garantido. jogávamos futebol, fazíamos castelos, pistas de carros, escavávamos buracos para os transformar em piscinas com a água do mar, enfim, uma caterva de situações. claro que tinha de ir carregado para a praia com dezenas de brinquedos, mochilas, sacos, bolas, etc., mas era o preço a pagar para garantir o divertimento.
mais recentemente, e, por consequência, mais velho também, as prioridades começaram a ser outras numa ida à praia. a leitura, a observação, a contemplação da pessoa que tinha ao lado, a procura de enquadramentos para fotos e uma ida à água para arrefecer o corpo, esporadicamente. recordo-me muito bem de um ciclo de sextas-feiras, em que saíamos de viseu ao fim de almoço, chegávamos à praia da barra numa hora e lá ficávamos até às 20h00/21h00. como habitual, tínhamos as nossas rotinas e como era sempre tudo tão gratificante e prazeroso, mantivemo-las. chegar, estacionar, escolher lugar no areal e usufruir da praia durante algumas horas. depois, vinha o resto. arrumar tudo novamente, deixar ficar a habitual nota de 500 euros (inside joke) e subir o areal na direcção do makay, a nossa esplanada de eleição.
duas pessoas em paz, serenas, a contemplar o mar, o areal, o sol a baixar até ficar laranja, numa esplanada, caipirinhas à frente (sempre, não poderiam faltar neste quadro idílico!), a petiscar algo que servisse de jantar. poderia muito bem ser uma epítome de paraíso, de felicidade completa, partilhada e sentida exactamente da mesma forma. o proprietário já nos conhecia, sentíamo-nos ali em casa. e sim, foi sempre tudo perfeito! sempre! as bebidas, a comida, o atendimento, e nós lado a lado, como fazíamos questão de estar, tu do meu lado direito e eu do teu lado esquerdo. lado a lado, e não frente a frente, porque assim era mais fácil o beijo, o agarrar de mãos, o toque, o passar as mãos pelo cabelo dela (e que cabelo, meu deus), enfim, a contemplação, o deslumbre. se ela era linda em todos os momentos, ali, naquele momento, com o pôr do sol como protagonista, ela era sublime, encantadora, irresistível! fotografei com a mente vários instantes dessas idas ao makay. fomos muito felizes naquela esplanada! muito mesmo!
mas tínhamos ainda outra rotina, mal saíamos da esplanada. aproveitando o pôr do sol, e de máquina fotográfica em riste, não me cansava de lhe tirar fotos, que eram sempre às centenas. enquanto calcorreávamos os passadiços nas dunas, ia procurando o melhor enquadramento, a melhor tonalidade de luz, a melhor forma de fazer justiça a tudo aquilo que os meus embevecidos olhos viam. cheguei a dizer isto várias vezes, nada me dava mais prazer do que aquilo, aqueles momentos, aquela cumplicidade. ela sabia o que eu queria, não tinha de lhe dizer nada, bastava disparar. sabia que o resultado final iria ser excelente. só poderia ser, com todos aqueles condimentos: praia, pôr do sol, mar, dunas e ela, a pessoa a quem tirei mais fotografias até hoje. não posso jurar, mas creio que lhe devo ter tirado mais de 5 mil fotografias. mesmo assim, foram poucas...
portanto, dois relatos completamente diferentes das minhas idas à praia, mas ambos igualmente doces, ternurentos e inesquecíveis, pela avassaladora felicidade que me deixaram!

(as fotos são de 2020 e fazem parte do ciclo descrito acima)

sexta-feira, maio 26, 2023

há uma voz que se quer afirmar


 e, de repente, na publicação 2.300 deste blogue, uma boa notícia! já era altura, convenhamos...

a minha filha, a mariana, que atingiu a maioridade em março, não se resignou a ficar em casa à espera de uma oportunidade. começou pela dança, poucos meses depois de ter sido operada à coluna, e em poucos meses estava a actuar na feira de são mateus, em viseu. não satisfeita com o sucesso alcançado por esse momento, resolveu enveredar pela música. com empenho, muito entusiasmo e uma dedicação muito acima do normal, sem prejudicar, de forma alguma, as suas notas, que foram sempre espantosas, moveu mundos e fundos para formar uma banda de música. muito ensaios depois, o primeiro concerto surgiu em 2022, na escola onde ainda estuda, alves martins, em viseu. um mês depois, actuavam na escola secundária emídio navarro e o lastro foi aumentando. 

após actuações no "pinguinhas" e na "maria xica", surgiu o ponto alto em março deste ano, na FNAC de viseu, poucos dias antes de completar os referidos 18 anos. a chegada à maioridade permitiu-lhe avançar, sozinha, sem ajudas ou apoio de alguém, para os castings do concurso televisivo de talentos "the voice portugal". isto porque a versão "kids" nunca esteve nos seus horizontes. 

o casting foi a 20 de maio, em vila nova de gaia, e de acordo com o que ela me disse no final do mesmo, a decisão só chegaria algum tempo depois. mas não foi o que aconteceu. ontem, 25 de maio, a resposta chegou. a sua interpretação de "monsoon", dos tokio hotel, convenceu o júri. e sim, a mariana apurou-se para as ditas "provas cegas" do programa televisivo da RTP 1, apresentado por catarina furtado. a próxima etapa está agendada para o dia 29 de junho, em lisboa. infelizmente, será numa quinta-feira, mas mesmo assim moverei mundos e fundos para a acompanhar.

a poucos meses de abraçar um novo e gigante desafio, o ensino superior, a mariana revela, novamente, toda a sua coragem e determinação. tem um sonho? vai atrás dele e faz tudo para o concretizar. é uma lição de vida, uma inspiração, um "role model" a seguir. tenho mais 32 anos que ela, mas é ela que me ensina como é que a vida deve ser vivida. tem 18 anos, mas já fez muito mais do que eu alguma vez fiz com 50...

é, como diz o título desta publicação, a número 2.300, uma voz que se quer afirmar, porque ela está bem consciente das virtudes que tem, daquilo que pode fazer e de tudo aquilo que poderá atingir, porque nos sonhos não há limites. e ela está a seguir o dela. 

como pai, só posso aplaudir, embevecido e tremendamente orgulhoso, e fazer tudo aquilo que estiver ao meu alcance para a ajudar a concretizar tudo aquilo que ela ambicione. 

voa, mariana! voa muito! tens asas para isso!

quinta-feira, maio 25, 2023

um coração jaz no areal da praia


o mar revolto deixou um coração no areal da praia em dia de tempestade. e como choveu naquele dia em são pedro de moel, em outubro de 2022. deu-nos apenas uma abébia de uma hora para deambular à beira mar e tirar dezenas de fotografias. as nuvens aperaltaram-se, o mar engalanou-se e a chuva escondeu-se, por momentos, para a sessão fotográfica.
foram poucas as horas em são pedro de moel, o suficiente para um jantar inesquecível, onde passámos o tempo todo a falar com o gerente do restaurante. como únicos clientes, tivemos o privilégio de receber todas as atenções da sua parte, encetando uma conversa muito interessante cuja palavra que mais recordámos, ainda hoje, certamente, foi "agrobeto". foi, também, uma singela homenagem à nossa relação, dados os elogios que recebemos do proprietário, um recordar de como tudo começou e um afirmar categórico do que éramos, como casal, naquela altura das nossas vidas. e soube bem, muito bem mesmo, receber e encaixar esses elogios. resta dizer, porque se impõe, que comemos maravilhosamente naquele jantar num restaurante só para nós. o resto do tempo foi passado no hotel, excessivamente quente, e no tal passeio junto ao mar.
no dia anterior, estivemos em trabalho na marinha grande, onde fui pela primeira vez. foi agradável verificar, novamente, como se ainda fosse necessário provar mais alguma coisa, como nos completávamos também nesse departamento, na entreajuda, na disponibilidade para fazer fosse o que fosse, no ultimar de todos os pormenores para que estivesse tudo perfeito, para que nada faltasse, para que os merecidos elogios chegassem no final e o sentimento de "dever cumprido" fosse inteiramente assimilado.
era assim que funcionávamos. fosse na preparação de uma conversa com um escritor famoso, para uma palestra ou moderação, para uma reunião ou para um trabalho a apresentar a um cliente. funcionávamos bem como equipa, tínhamos essa preocupação de atentar em todos os pormenores, de ir à minúcia nos detalhes, de aprimorar a escrita e a apresentação, porque fazíamos tudo com entusiasmo, entrega e dedicação. mas, acima de tudo, porque o fazíamos juntos, que era o sítio onde mais vezes queríamos estar...

terça-feira, maio 23, 2023

Fragas de São Simão. Figueiró dos Vinhos



encontrei-as hoje. são dois sinais inequívocos dos bons velhos tempos, das aventuras intrépidas sem receios ou problemas de qualquer espécie. traçava-se um destino, estudavam-se os trajetos, as estradas, consultavam-se as condições meteorológicas e partíamos, com várias certezas na bagagem. era um dado garantido de que ia correr tudo bem, que iríamos ficar maravilhados com os locais escolhidos, que nos iríamos surpreender a nós próprios a nível físico, porque nunca demos um sinal de fraqueza nestas empreitadas, e que no final iria prevalecer um enorme sentimento de regozijo e orgulho pelo objetivo alcançado. 

foi isso que aconteceu nestas fragas de são simão, onde, inclusivamente, posámos para algumas das melhores fotos que tirámos em conjunto, graças a uma solícita turista que estava na praia fluvial. uma aldeia de xisto, deserta mas bem conservada, e dois miradouros de cortar a respiração. obviamente, a máquina fotográfica não teve tempo para descansar (nem nós, com tantas subidas e descidas). 

antes desta aventura, um episódio hilariante, em figueiró dos vinhos, onde nunca tínhamos estado. a escolha do local para almoçarmos não foi fácil, desde restaurantes vazios e de aspecto manhoso a outros que não conseguimos encontrar via gps. estacionámos e fomos a pé até ao centro da localidade. entrámos num restaurante, onde comemos muito bem, que tinha essa curiosa particularidade de também vender, no mesmo espaço, facas, facalhões e cutelos. um restaurante à moda antiga, portanto. no final, sendo sexta-feira, fomos jogar no euromilhões e também me recordo de outro momento particularmente hilariante nesse outro estabelecimento. como é óbvio, não ganhámos nada, mas ficaram as risadas daquele momento.

ficam as memórias, agradáveis e duradouras, de mais uma jornada pensada e executada tal como a imaginámos, como aconteceu noutras paragens por este país fora (sistelo, foz do arelho, aveiro). chegava a ser comovente, confesso, o grau de cumplicidade que existia em todos as etapas preparatórias, o mesmo entusiasmo, a mesma ansiedade também. quando finalmente chegava o dia de executarmos tudo aquilo que planeámos durante semanas, a euforia, sim, euforia, era bem evidente em ambos os rostos. entregávamo-nos, de corpo e alma, à execução do plano, deixando obviamente espaço para o deslumbre, para a contemplação, para as centenas de fotografias, para o estudo do local, dos seus recantos, as vistas, os encantos, a paz e a serenidade que nos inundava nesses momentos. apesar do cansaço provocado pelo calcorrear das ditas fragas, era imensa a felicidade pela meta alcançada e por termos verificado e apreciado in loco todas os atributos do local. 

nos momentos mais duros da estimulante escalada, bem como para evitar escorregadelas nas descidas, estávamos lá um para o outro, sabíamos que podíamos contar com a preocupação, a perspicácia, a entrega e a determinação de quem estava ao nosso lado. era algo para vencermos em conjunto, como casal, como amigos verdadeiros, como apaixonados pelas caminhadas, pelos trilhos e pela actividade física, sobretudo aquela que nos leva a conhecer destinos turísticos fantásticos neste nosso país.

foi em junho de 2022. com estes instantâneos, tirados sem o meu conhecimento (e ainda bem, porque detesto posar para fotografias), recordo tudo aquilo que merece ser recordado. como este episódio, muitos e muitos mais houve dignos dessa validação. é isso que fica, a memória, uma das minhas poucas virtudes. mas que diabo, se a tenho realmente, há que usá-la em conformidade, privilegiando as largas centenas de inesquecíveis momentos, que se viviam com um enorme sorriso dentro de nós, aquele estado de espírito que nos colocava com pele de galinha, emocionalmente arrepiados, como quando partilhávamos uma música, uma dança (foram poucas, infelizmente), um olhar, um sorriso envergonhado, no fundo, uma certeza. partilhámos essa certeza durante muito tempo e carregamo-la para todos os locais onde fomos. era ela que nos dava força, que nos impelia a fazer tudo aquilo que tínhamos previamente combinado, fosse onde fosse, quando fosse. tenho muito orgulho, mesmo um orgulho desmedido, por ter feito parte de algo assim! é algo que nunca se vai desvanecer...

sábado, maio 20, 2023

a importância do amparo descomplexado... e da coragem


nos nossos momentos menos bons, daqueles em que sentimos que temos apenas nuvens bastante negras a pairar sobre nós e em que até uma mera contemplação do futuro próximo nos deixa imediatamente derrotados e deprimidos, eles estão lá. quando o nosso cérebro teima em visitar sistematicamente as mesmas situações e repisar até à exaustão momentos, bons e maus, que não conseguimos tirar da cabeça, eles aparecem e abrem as portas para novos mundos. 

no caso de ontem, foi o da mais pura e imbecil parvoíce. eu e o zé fonseca ainda estamos no jornal, mas o luís barros e o luís miroto já não estão, mas isso não invalida, obviamente, que nos consigamos reunir, quando as nossas agendas assim o permitem, para os nossos hilariantes jantares. aquelas quase cinco horas foram tão hilariantes que, apesar de fazer cerca de 12 kms por dia de actividade física no parque de santiago, sinto que aquele tempo todo a rir fez ainda mais pelos meus abdominais. 

são momentos descomplexados, espontâneos e genuínos, onde sai tudo sem filtro, não estamos a tentar impressionar ninguém, as parvoíces correm ao sabor do vento e a finalidade é, essencialmente, rir, rir muito, entre amigos, entre pessoas que sabemos que gostam de estar connosco. basta isso. não ligam ao que tens vestido, se fizeste a barba ou não, se tens o indicador da mão direita todo lixado por causa do bicabornato de sódio que usaste durante a tarde para tentar desentupir a pia, se as calças estão rotas entre as pernas ou se os sapatos não estão engraxados. 

e sim, naquelas horas, que parecem sempre poucas, entra-se numa outra dimensão, ganham-se outras prioridades e o teu cérebro consegue dar-te alguma folga. depois, chegamos a casa e voltamos à insipidez da nossa vulgar existência...

o mesmo tem acontecido, felizmente, nos últimos fins de semana. o meu compadre, que vive a mais de 300 km de mim, tem vindo a dar um importante contributo para o meu restabelecimento emocional. além daquela parvoíce descontrolada acima referida, ele também me oferece o lado racional e ponderado, os melhores conselhos e sugestões. é a pessoa que melhor me conhece, disso não tenho dúvida alguma. conhecemo-nos há 45 anos e, para ele, nunca tive segredos. tivemos um período de um ano e meio menos bom, mas felizmente conseguimos sanar tudo entre nós e ele voltou a ser, como sempre foi, o meu mentor, a pessoa em quem mais confio no mundo inteiro.

hoje, vem aí novamente. vem de propósito de castelo branco a viseu só para almoçar comigo. se isto não é amizade, não sei o que será... e é por momentos como este, tal como o referido anteriormente, que não posso deixar de me sentir um felizardo, um privilegiado, por ter amigos assim, que me conseguem ir buscar, sistematicamente, ao fundo do poço.

os últimos dois meses não foram fáceis. tudo o que podia correr mal, correu. por muito distante que estivesse esse cenário de ruptura, porque este último recomeço parecia diferente, mais sólido e resistente, ele surgiu na mesma, independentemente do que tinha ocorrido nos 11 meses anteriores. apaga-se tudo de bom que aconteceu nesse período de tempo com uma enorme esponja, privilegiam-se apenas quatro ou cinco episódios maus e entra-se numa espiral negativa, profunda e bem negra, da qual só pode sair um, apenas um, porque nunca houve outro, resultado: a ruptura. 

é daqueles casos estúpidos em que estamos a observar o desenlace mas não conseguimos evitá-lo. é como um carro a encaminhar-se perigosamente para uma ribanceira e não há travões para o impedir de se despenhar. e assim foi. mais uma vez. a quinta ou a sexta, já perdi a conta. é um atestado ou um carimbo gigante com a palavra "falhanço" marcada na testa para a vida toda. não conseguimos. estamos a ver a ruptura à frente e não conseguimos travar. vamos em frente, cheios de orgulho, de rancor, como que a transmitir uma mensagem de coragem um ao outro. "se tu não parares, eu também não paro". é um "double dare", um jogo para ver quem desiste primeiro, quem quebra primeiro. que, pelos vistos, resulta sempre.

o problema é o que fica desse perigoso jogo, os resquícios, os restos estilhaçados no chão. por várias vezes, pegámos nesses estilhaços e conseguimos voltar a colar tudo direitinho. podíamos abanar, tremer aqui e ali, mas íamos seguindo... até surgir um novo desafio daqueles. partíamos novamente, colávamos tudo e lá estávamos de volta.

não sei se, agora, com estes destroços todos espalhados pelo chão, haverá entusiasmo, coragem, vontade ou força para tentar colar tudo novamente. eles estão cada vez mais minúsculos e a culpa, obviamente, é de duas pessoas. não há dois lados, o bom e o mau, o santinho e o diabo, o limpo e o sujo, há apenas uma dinâmica. não há quem sofra mais e quem sofra menos. nesse aspecto, e porque julgo conhecer muito bem as pessoas envolvidas, sei perfeitamente que é igual e na mesma medida. não há quem ame mais ou menos, e repito o final da frase anterior. há amor? claro, sempre houve. mas ainda há amor? claro que sim, nunca, mas nunca mesmo, deixará de haver. ok, mas haverá coragem? porque, agora, o tal jogo do "double dare" também tem novamente a ver com coragem, mas o prisma é diferente...