Habituados que estamos, há anos, ao facto de os assuntos mais
debatidos e comentados nas redes sociais, ou chamados temas “virais”, virem
naturalmente a integrar a agenda política, já nem estranhamos que até as
personalidades menos suspeitas acabem, nem que seja por um dia, por estar na
berlinda numa determinada altura. Por estes dias, temos Eduardo Cabrita, Rui
Portugal ou Pedro Nuno Santos, mas já tivemos Joacine Katar Moreira, Ljubomir Stanisic, João Vaz (o actor do mítico anúncio da Telecel, que mudou de
sexo), Rita Latas, Mamadou Ba, Victor Espadinha, Tino de Rans... Enfim, como
advogava Andy Warhol, “no futuro, todos terão os seus
quinze minutos de fama” (e eu ainda estou à espera dos meus…).
O que não é
muito habitual é esse papel ir bater à porta de um jornalista, por maus
motivos. Ou seja, não lançou um livro, como José Rodrigues dos Santos (que
também foi muito falado na semana passada), Rodrigo Guedes de Carvalho ou
Miguel Sousa Tavares, nem está indicado para o Prémio Pulitzer. Nada disso,
apenas entrevistou, até agora, dois candidatos à presidência da República.
João Adelino
Faria conseguiu algo que poucos políticos se podem gabar, atingir a
consensualidade, anexando-lhe uma “virtude” que julgávamos inconcebível:
colocar André Ventura no papel de vítima. O nosso “petit Trump” começou a
entrevista com apenas 8% na mais recente sondagem para as presidenciais e
aposto que duplicou esse valor apenas umas horas depois.
João Ferreira
foi, no entanto, a primeira vítima do azedume de Faria, numa espécie de treino
intensivo para enfrentar Ventura no dia seguinte. A sua postura no ringue de
boxe foi idêntica, embora com menor ferocidade: pergunta, esperar cinco
segundos, nova pergunta, esperar mais cinco segundos, voltar a fazer a primeira
pergunta porque este nabo não respondeu da forma como eu queria, nova pergunta,
referir dez vezes que o entrevistador sou eu, nova pergunta e ai dele que não
responda com um mero “sim” ou “não”…
Tornou-se
difícil, na primeira entrevista, perceber quem era, afinal, o candidato, tendo
em conta a ânsia de protagonismo de Faria. No entanto, João Ferreira lá foi
dizendo alguma coisa, embora nunca tenha, em 30 minutos, conseguido concluir
uma frase. Na terça-feira, foi a vez de Ventura. Quem tinha visto a entrevista
com Ferreira ficou, naturalmente, em pulgas para seguir esta, considerando o
feitio truculento e insidioso do fundador do Chega. E as expectativas não
saíram goradas. Faria foi implacável no ringue, mascarado de advogado de
acusação, falou três vezes mais que Ventura, pareceu ainda mais candidato à
presidência do que no dia anterior, tentou encostar várias vezes o entrevistado
à parede do estúdio da RTP, falando por cima dele, dizendo apartes, fazendo a
mesma pergunta quatro ou cinco vezes, espumando da boca e deitando fumo pelas
orelhas. A certa altura, fez-me lembrar Jack Nicholson em “A Few Good Men”,
quando soltou o seu célebre “you can’t handle the truth”.
É um país
estranho este, em que até num programa humorístico, como o “Isto é gozar com
quem trabalha”, de Ricardo Araújo Pereira, os convidados têm muito maior tempo
de antena, e nem sequer são candidatos à presidência da República. João Adelino
Faria não tem um programa de humor, nem um talk-show ou um programa de autor.
Está ali para deixar os candidatos exporem as suas propostas e o seu programa
eleitoral, para os eleitores poderem avaliar em casa e decidir em quem vão
votar. Não está ali para “entalar” os entrevistados, mudando rapidamente de
assunto quando este não responde como ele quer, castigando-os cortando o seu
raciocínio a meio com nova pergunta.
Parece estar a
nascer um novo tipo de jornalista vedeta, assomado
por laivos de inimputabilidade e superioridade moral e intelectual, ao jeito de
um Miguel Sousa Tavares ou Manuela Moura Guedes, mas num registo tuning, mais
aerodinâmico, veloz e furioso. O mais estranho é que Faria nunca tinha
apresentado este registo antes, nem na SIC, onde começou, nem na RTP, onde esse
registo choca demasiado com a linha orientadora da estação, mais parecendo
digno de uma TVI ou CMTV.
Em todo o
caso, seja bom ou mau, o canal público é que ganha nas audiências, porque,
agora, com o mediatismo conquistado nas redes sociais, ninguém vai querer perder
as restantes entrevistas. Creio que todos ansiamos pelo frente a frente com Ana
Gomes e Marcelo Rebelo de Sousa. Com ou sem luvas de boxe, não haverá Lexotans
ou Valiums suficientes neste mundo para deter a impetuosidade indomável de Muhammad
Ali Faria.
E se, antes,
os políticos aproveitavam os programas humorísticos, como o “Gato Fedorento
Esmiúça os Sufrágios”, por exemplo, para “limparem” a sua imagem e
apresentarem-se como tipos porreiros e acessíveis, agora os candidatos
presidenciais estão a contar os segundos para levarem uns sopapos e fazerem
papéis de vítima nas entrevistas com João Adelino Faria. Qual Marinha Grande,
qual carapuça…
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