A cantilena já é antiga e todos a conhecemos de cor e salteado: é preciso revitalizar a Rua Direita, proteger o comércio tradicional, apoiar e dinamizar eventos localizados para esse efeito. Este ano, até se foi mais longe, com a realização do Cubo Mágico, que, admita-se, atraiu muita gente para as artérias do centro histórico da cidade.
O discurso fica muito bem em eventos pontuais, entrevistas e comunicados, faz parte daquela cartilha básica para qualquer autarca. Defender, proteger e respeitar o património edificado, os valores, a história e um passado que serviu de sustentação à cidade em que hoje vivemos. Obviamente, estes passos não se revestem, por vezes, da mais elementar justiça. No passado Verão, por exemplo, enquanto o município procurava atrair consumidores para a Rua Direita, esventrava parte da Avenida António José de Almeida, uma artéria que ficou depauperada duplamente: pelas infindáveis obras e pela não realização da Feira de São Mateus, que trazia sempre enorme movimentação. Portanto, Verão e Natal estragados por aquelas bandas.
No centro histórico há discriminação positiva. É perto do edifício camarário, por isso potencia arruadas e as visitas costumeiras aos comerciantes, sempre com grande entourage, comunicação social e muitos sorrisos. No Rossio, temos uma exposição de fotografias desses comerciantes, em grande destaque. Se há lojas fechadas na Rua Direita, ocupam-se temporariamente com serviços de vária índole e exposições. Portanto, se há artéria nesta cidade pela qual o município nutre especial carinho, pelos vistos, é a Rua Direita. Isso parece estar devidamente subentendido. Não se vê o mesmo interesse, com a mesma contundência, por mais nenhuma.
O problema é que, por vezes, como costuma dizer a sabedoria popular, se dá com uma mão para tirar com a outra. Senão vejamos: o município procurou novamente, este ano, revitalizar o comércio naquela rua, num ano bastante complicado. Até estava tudo a correr relativamente bem, quando a edilidade decide, no início da semana de Natal, período de muita movimentação devido às compras natalícias, colocar em funcionamento os novos parquímetros. Recorde-se que, nas ruas mais próximas da Rua Direita, os parquímetros não estavam a funcionar há quase 2 meses, enquanto se preparou a transição para os novos. Portanto, esta medida poderia ser implementada para a semana, daqui a duas semanas, depois das festas natalícias, mas não! Entraram em funcionamento na passada segunda-feira, dia 21 de Dezembro.
Claro que a autarquia conseguiu, desde logo, encontrar aspetos positivos para os munícipes, apregoando que, a partir de agora, passam a existir mais possibilidades de pagamento do estacionamento. Além de apresentar “um interface mais amigável e dinâmico para os utilizadores”, os novos equipamentos permitem dois novos tipos de pagamento para além do tradicional, com moedas: o pagamento com cartão bancário e o pagamento através da APP gratuita “Via Verde Estacionar”. Digam lá, não era mesmo esta a prenda que queriam no sapatinho? A possibilidade de pagar o estacionamento de forma diferente e através de um interface mais amigável? Enfim, nem sabemos a sorte que temos!...
21 de Dezembro! Questiona-se a data, obviamente, porque este executivo camarário, afinal, sempre fez tudo pelos comerciantes do centro histórico. Ou, pelo menos, apregoava que o fazia. Mas quando chegam os dias de maior bulício, em que as pessoas procuram efectuar as suas compras para a consoada e dia de Natal, as prendas para os familiares e amigos, o município e a SABA, empresa concessionária dos parques, começa a cobrar-lhes o estacionamento de uma forma “amigável”. Num ano como este, traria muito prejuízo a estas duas entidades adiarem por duas semanas a entrada em vigor dos novos equipamentos, para benefício dos comerciantes? Creio que teria ficado bem à autarquia essa manifestação de apoio e essa preocupação. A não ser, claro, que a pressão da empresa concessionária tenha sido bastante feroz, no sentido de, também ela, tirar proveitos desta época natalícias. O projecto do MUV Park (esta mania dos estrangeirismos fede a bacoquice pindérica) foi apresentado em Julho passado. Se passaram quase seis meses, que diferença faria mais uma ou duas semanas?
Todos sabemos como pode ser caótico o estacionamento em Viseu, especialmente para quem quer aceder ao centro histórico. Também sabemos como os ditos “interfaces” podem ser um factor dissuasor de potenciais consumidores que não dominem estas modernidades das smart cities. Portanto, vamos somar a preocupação de encontrar um lugar para estacionar na cidade (cada vez mais complicado), à adaptação ao raio do interface e ao preço a pagar por várias horas de compras. Por contraponto, temos várias superfícies comerciais espalhadas pela cidade com estacionamento abundante e gratuito, de fácil acesso, com muito menos problemas logísticos e com uma oferta e variedade superior. O que é que acham que a maioria das pessoas escolhe? Quem é que pode criticar os magotes de pessoas que vão fazer as suas compras de Natal nesses locais?
O comércio tradicional precisa, claro, de apoio e de incentivos. Precisa de ruas engalanadas com decoração natalícia, luz e cores vivas, lojas atraentes, produtos apetecíveis e em quantidade e variedade suficiente. Não precisava, certamente, de uma medida destas numa semana crucial para a estabilidade dos seus negócios.
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