(vou começar este post como se tivesse 78 anos. ora, reparem nas  primeiras três palavras... ah, e também sou dos poucos bloggers que  iniciam um texto com frases entre parêntesis).
no meu tempo, escrever  uma carta para a namorada era algo que se fazia com tempo, dedicação e  paciência. não era algo que se fizesse em dois minutos, tinham que estar  reunidas várias condições: casa vazia, uma música calminha de fundo,  uma caneta em bom estado e papel em quantidade suficiente, não fosse a  inspiração bater e não haver folhas para a "despejar". depois, o simples  facto de se escrever à mão fazia com que nos esmerássemos na letra, na  apresentação da carta, na caligrafia e ortografia, tentando não dar  erros, porque era sempre complicado apagar e ficava sempre mal um enorme  borrão no meio da carta.
portanto, havia muito coração e muita entrega, tanto no  que se dizia como na maneira como se escrevia. tudo tinha que sair  perfeito, para impressionar a namorada. lembro-me de estar a escrever e  de estar, ao mesmo tempo, a tentar imaginar a reacção da pessoa que ia  ler aquelas palavras, as sensações que lhe ia arrancar, as lágrimas que  ela poderia derramar... sim, eram outros tempos. até a carta ir para o  marco de correio passava por várias etapas: dobrar meticulosamente a  carta para caber no envelope, escrever com cuidado a morada do  destinatário, para ela não ir parar a marrocos, fechar bem o envelope,  eu utilizava cola, sempre me dava mais garantias, comprar e colar bem os  selos (uma vez os selos descolaram-se, mas a carta foi lá parar na  mesma. grandes correios portugueses...) e, por fim, introduzi-la no  marco de correio. no final, ficava sempre uma sensação de satisfação,  porque sabia que aquelas minhas palavras iriam ser lidas no dia seguinte  e que eram, apesar da distância que nos separava, um pedaço de mim que a  minha namorada ia receber.
depois, era sempre muito gratificante quando  vinha a resposta. receber uma carta era um bálsamo, um enorme beijo  virtual em forma de envelope que se soltava quando se abria a caixa do  correio. lembro-me de guardar bem a carta, preferindo lê-la quando  tivesse realmente tempo para me debruçar sobre cada palavra nela  incluída. e como me sabia bem ler uma carta da minha namorada, saber que  ela tinha tido a mesma dedicação que eu ao escrevê-la e que guardou um  pedaço do seu dia para me dedicar umas palavras. sim, eram outros  tempos... mas não há muito tempo atrás. tudo isto que eu descrevi até  agora passou-se há 15 anos. os meus primeiros anos de namoro foram  assim, de carta em carta, até aos encontros ansiados e tantas vezes  descritos nas cartas trocadas. e como sabiam tão bem esses reencontros,  depois desses autênticos "preliminares" em forma de envelope.
hoje,  duvido que ainda se namore assim. depois do telemóvel, sms, internet,  messenger, hi5, skype a afins deve ter ficado tudo um pouco mais frio e  menos sentimental. já ninguém se deve sentar a escrever uma carta. já  ninguém deve comprar envelopes ou selos. agora é tudo por mail, por  messenger ou por telemóvel. a preocupação com a caligrafia e a  ortografia perdeu-se, aliás até é "cool" junto da malta jovem escrever  coisas como "qq", "tb", "bjs" ou "pk", sempre se esconde a verdadeira  realidade, que é a de não saber escrever verdadeiramente.
irrita-me  que vá acontecer o mesmo com os meus filhos, quando passarem por esta  fase. daqui a 10 anos ainda vai ser pior, ou seja, já nem devem existir  selos, nem envelopes, nem marcos do correio. as saudades serão mitigadas  com mensagens do género "tou xeio de saudds tuas mor", enviadas por  telemóvel em cinco segundos, quando há uma nesga de tempo, assim do  género de uma ida à casa de banho. se não houver nada para ler enquanto  se lá está, leva-se o telemóvel e manda-se a mensagem. assim não se  perde tempo valioso.
escrever uma carta, no meu tempo, demorava pelo  menos uma hora; agora qualquer mensagem de amor demora um minuto; daqui a  10 anos, durará cinco segundos. será possível medir a intensidade dos  sentimentos da mesma forma?
no meu tempo é que era...
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