quarta-feira, novembro 21, 2007

o que serei daqui a 30 anos

sou uma pessoa de rotinas. tenho rotinas para tudo. para quando me levanto, ao pequeno almoço, ao almoço, no café, ao jantar, etc. não sou de maneira nenhuma uma pessoa muito dada a surpresas. tento evitar ao máximo lugares estranhos, onde me sinta desconfortável e desintegrado. não confio no meu sistema nervoso, porque por diversas vezes ele me atraiçoou, impelindo-me a abandonar esses mesmos lugares estranhos. são palpitações, suores frios, nervos, que levam a uma postura inquietante e sôfrega. daí que, por norma, eu frequente sempre os mesmos sítios e tenha a mesma rotina diária para tomar o pequeno almoço, almoçar e tomar café. ora, no local onde tomo café todos os dias, há já uns quatro anos, um sítio amplo, fresco, costumo escolher sempre a mesa encostada às paredes, ou que esteja numa extremidade, não gosto nunca de ficar no meio ou de costas para a porta. há dias, não havendo mesa livre dentro dessas minhas preferências, fiquei numa outra. por norma, até me poderia sentir deslocado, mas como já frequento há muito esse café, isso não aconteceu. mas até a empregada que todos os dias me atende, geralmente muito compenetrada e eficiente, pouca dada a small talk e confianças, deu conta do sucedido e comentou comigo, com um ligeiro sorriso, que eu estava muito fora dos meus locais habituais.
mas tudo isto serviu como preâmbulo para o que quero contar. nesse mesmo café, todos os dias, à mesma hora, entra um senhor, dos seus 75/80 anos, vai quase sempre para a mesma mesa (excepto se estiver ocupada). senta-se, não precisa pedir porque a empregada já sabe que ele toma todos os dias a sua cevada. ali fica cerca de vinte minutos, a beber a sua cevada, sem olhar para ninguém, apenas olhares vagos para a rua. nota-se que não está ali para observar ou ser observado. está ali porque aqueles vinte minutos fazem parte da sua rotina.
já o observei por diversas vezes e o homem não altera nada na sua postura. a cena parece repetir-se todos os dias, sempre da mesma forma.
de certa forma, vejo todos os dias o que serei daqui a 30 anos. os meus filhos terão as suas famílias, espero que tenham bons empregos e excelente estabilidade financeira, estarei certamente já divorciado, porque a minha mulher tem muitas qualidades mas não vai aguentar as minhas idiossincrasias e medos por muito mais tempo (espero estar enganado a este respeito), e sem amigos (pelos mesmos motivos atrás citados). a minha rotina será a mesma de hoje (excluindo a parte profissional). tenho a certeza que aqueles 20 minutos para a cevada, todos os dias, serão o meu único contacto diário com o mundo exterior. e a empregada do café receberá todos os dias as minhas únicas palavras a esse mundo exterior: "boa tarde!", "obrigado!" e "até amanhã"!...

3 comentários:

  1. que horror Isaac!!! sabes lá se o senhor nñao prrecisa de sair de casa todas as manhãs para estar 20 minutinhos sozinho sem aturar a mulher, a cunhada, a prima, a irmã, ou quem seja?

    eu também tenho essa rotina aos sábados, vou sempre ao café tomar o pequeno-almoço e ler o jornal. e vou sozinha, sao os meus 20 minutos de tranquilidade.

    beijocas :-)

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  2. Encontrei este blog porque andava à procura do título do filme "Inadaptado" em inglês e vim dar a uma pessoa inadaptada como eu.
    Diz-me, porque é que alguém que lê, que ouve musica, que até escreve bem, sem erros ortográficos, tem tanto medo de tudo? Pensas que não podes mudar? Sabes porque tens tanta certeza de o dia de amanhã ser igual ao de hoje e de ontem? Rotinas. A mesma conversa com a mulher, a mesma conversa no blog, a mesma chatice com as pessoas... Sabes porque é que daqui a 30 anos estarás divorciado? Ou porque não o fazes já, a tua certeza é tão grande! Faz um favor a ti mesmo, muda as tuas certezas. Eu namorei durante quase um ano, e chorava todos os dias, desisti da faculdade, voltei para casa dos meus pais, não li livros, não fiz projectos nem sequer me interessava as conversas que tinha com algumas pessoas, ainda hoje os amigos que tenho são pessoas com quem me dou bem, mas... só me encontro com elas em casa, a verem a novela ou os sketches do herman ou dos gato fedorento no youtube, as conversas com o meu ex-namorado não surgem, normalmente vamos ao cinema e ficamos assim. Parece que a nossa inadaptação tem uma resposta. Neutro. Somos neutros. Queremos ser neutros na nossa vida, na vida dos outros. Não queremos estragar nada, não gostamos de muitas "ondas", nos locais públicos gostamos de ser o mais discretos possível, tudo o que fazemos é bem feito, mas ninguém o nota. SAI DISSO. Não te conheço de lado nenhum, mas senti-me no dever cívico de te escrever. Somos cidadãos do mundo, existimos para viver, e isso implica pormos de lado alguns medos e alterarmos as nossas rotinas. Hoje parece que não tenho vida, porque neutralizei tudo. O meu ex-namorado fartou-se disso (como eu já previa), mas a verdade é que não fiz nada para alterar o que previa. Se nós somos capazes de mudar e o podemos fazer, porque não fazê-lo? Esta pergunta e este texto também é para mim, acredita. Desculpa-me tudo o que te disse, mas... espero que te diga algo! Cumprimentos. Maria João.

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  3. não posso deixar de escrever, aquilo do youtube e das novelas... detesto. Não me dizem nada. Já gostei muito de futebol, mas aliar novelas, a futebol, e rotina habitual do dia-a-dia, sinceramente está a matar todo o interesse que possa ter por algo. O que mais gosto é de ir ao cinema, porque vejo filmes que nunca veria na vida, tenho visto desde os de terror a filmes que agora surgiram por serem adaptações de BD (um mundo totalmente novo para mim). Não que me interesse muito por estes filmes ou pela BD, mas agradam-me. Fazem-me sentir bem, porque conheci e fiz coisas novas e diferentes. Não te sentes chateado? Ou triste? Ou ... sei lá, frustrado? Bem, já me estiquei muito. Obrigada pela atenção.

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