não deve haver nada mais difícil do que conseguir sair de uma conversa chata, especialmente se nessa conversa só houver dois interlocutores, e, pior ainda, se esses dois interlocutores se conhecerem mal. ainda há pouco tempo fui a casa de um casal, ela trabalha com a minha mulher, ele completamente desconhecido, que nos mostrou embevecidamente a sua casa nova, não poupando nos detalhes de cada parede, de cada peça de mobiliário, dos azulejos da casa de banho, etc. foi um frete desgraçado ouvir aquilo tudo, mais os apartes sobre o incompetente do empreiteiro, a banheira de hidromassagem que ele mandou desmontar e montar novamente umas três vezes por não estar plenamente satisfeito, as portas dos armários que teve que ser ele a colocar, "porque ninguém conseguia atinar com o que eu queria", enfim, uma descrição pormenorizada de tudo o que foi feito naqueles 60 m2 de área coberta. e no exterior foi outra aventura: o quintal, a garagem, a churrasqueira… o mais engraçado é que ele falava comigo como se eu entendesse perfeitamente tudo o que ele estava a dizer. era o contraplacado, o estuque, a barra de inox, todos os utensílios que utilizou para montar a garrafeira (típico: todas as casas têm que ter uma garrafeira, e um bar, com balcão, claro… falta de imaginação, cum catano!).
eu, como forma de esconder a minha total ignorância sobre o assunto, limitava-me a repetir as suas últimas palavras, transformando-as em pergunta, e, claro, tentava mostrar-me entusiasmado e interessado na conversa.
mais tarde, já em casa, não pude deixar de pensar que não me importaria de ser um pouco assim, como o tal tipo que me mostrou, orgulhoso, o seu trabalho, a sua obra. fico sempre com a sensação, cada vez que conheço alguém, que não consigo criar ligação nenhuma, que não tenho assunto para essa pessoa, nem ela para mim. sempre tive este estigma. e como não consigo "fingir" um outro eu, para melhor me moldar a esses momentos constrangedores em que se chega à conclusão de que não há mais assunto, limito-me a estar quietinho no meu canto, em que por vezes quase sinto as letras em néon a piscar em cima da minha cabeça, a dizerem "inadaptado".
o tema futebol costuma ser a minha salvação, mas desta vez nem a isso pude recorrer. o homem queria que eu me envolvesse mais no seu entusiasmo, "discutisse" com ele a melhor ferramenta a utilizar, o melhor berbequim, que, no fundo, valorizasse mais o seu trabalho. não consegui, não possuo de todo conhecimentos para isso, infelizmente. se os tivesse, poderia estar a encetar agora uma nova relação de amizade, alicerçada em gostos comuns; ao invés, o homem, se passar amanhã por mim na rua, até vai evitar falar comigo, porque não vai ter assunto e sabe perfeitamente que eu também não vou ter assunto para ele. e assim ficamos. um dia destes a esposa dele até poderá pensar em convidar-nos para jantar lá em casa, porque ainda por cima o meu filho é muito amigo do filho deles, e ele vai torcer o nariz, como é óbvio. esta minha inépcia social já não me prejudica apenas a mim, mas também à minha família. mas eu não consigo ser diferente. ainda por cima não me facilitam muito as coisas. os meus tópicos, aqueles que domino melhor, nunca, mas é que nunca mesmo, são ventilados em conversas ou encontros com pessoas semi-desconhecidas. nunca me aparece alguém que me fale de música, do último disco dos blonde redhead ou do rufus wainwright, por exemplo, ou de cinema, da obra de woody allen ou o último filme de martin scorsese, de livros, de séries de televisão ao menos…os meus conhecimentos nunca me vão ser úteis para nada. a "bagagem" cultural que tenho não me serve de nada no meu mundo real, no pequeno círculo a que pertenço e que me é dado para interagir. e esta é, de todas as minhas resignações, a que mais me custou a aceitar.
não digas isso.
ResponderEliminarhá uns tempos estava em Londres, com uns ingleses e um amigo americano e, enquanto todos estavam embrenhados numa conversa de "este dormiu com aquela e a outra anda com aquele...", o meu amigo americano olha para mim (estávamos os dois calados) e disse-me "realmente somos uns inadaptados, não encaixamos em lado nenhum. Seremos normais?", reflecti no que ele disse e creio que tem tudo a ver com este teu post. é que os temas que normalmente nos interessam (e olha que não estamos sós) não são os banais (eu passo horas a falar de política com o meu marido, com a minha mãe é sobre cinema, séries de tv e literatura e com o meu irmão é sobre música...)
lá por termos um leque (demasiado?) variado de assuntos/gostos não quer dizer que sejamos inadaptados, quer dizer é que somos interessantes, informados e que a maioria das pessoas não nos dá o devido valor.
olha que também te digo uma coisa, não gostava nada de ser como essas mulheres que só falam de roupa, maquilhagem e coisas do género...
beijocas
bem, grande testamenteo te deixei aqui!
ResponderEliminareheehehe
obrigado tulipa, por estares sempre desse lado!!! também concordo contigo e com o teu "testamento". podes deixar os testamentos que quiseres, és sempre muito bem vinda a este cantinho. obrigado.
ResponderEliminarbeijos