quinta-feira, novembro 18, 2021

uma árvore cada vez mais despida



já percebi há muitos anos por que motivo decidi criar um blogue.

enclausurado dentro de mim, faltam-me âncoras diárias de amparo onde despejar tudo o que se acumula dentro de mim há algumas semanas.

não estou bem, admito que não estou mesmo nada bem. tudo o que havia para correr mal, correu mal. os piores receios confirmaram-se, aquela sombra negra que pairava sobre mim, e que se afastou durante algum tempo, regressou e parece decidida a compensar a prolongada ausência com contornos ainda mais carregados de negrume, infinita mágoa e dilacerante amargura.
afinal, os blogues servem para isto mesmo: substituir pessoas de carne e osso. essas, lentamente, vão-se afastando. por coincidência, ou não, estamos em pleno outono e, aos poucos, a minha árvore vai ficando sem folhas. elas vão caindo, uma a uma, levando com elas a irreversibilidade do momento em que conseguem soltar-se, precipitando-se numa queda aliviada para o chão. 

aqueles tempos em que, como pessoa ansiosa que sou, contava os dias que faltavam para me encontrar com a pessoa amada ou mesmo com amigos já lá vão. tenho que me render às evidências, falhei redondamente neste aspecto da minha vida, tal como noutros. sou obrigado a reconhecer que ainda não tenho, nem virei a ter, certamente, uma personalidade devidamente estabilizada e confiante o suficiente para me soltarem na sociedade. se eu fosse um computador, aceitaria, de bom grado, por esta altura, um reset total, ou, em último caso, que me devolvessem à fábrica, por manifesto e mais do que evidente erro de fabrico.

erradamente, pensei que o meu livro de instruções, o tal que veio de fábrica, já teria sido entendido por alguém nesta fase da minha existência. pura ilusão... os meus problemas, todos eles, com pessoas à minha volta ou sem pessoas à minha volta, continuam cá todos. estiveram, simplesmente, camuflados durante alguns anos. andava tão eufórico com tudo o que me estava a acontecer de bom, de magnífico, de excelente mesmo, que nem me preocupava com isso, com essa avaliação ou introspecção. afinal, tinha alguém ao meu lado e esse factor da aceitação e integração social nem sequer foi uma preocupação para mim, de tão feliz, completo e pleno que estava.

chegado a este ponto, definho debaixo das minhas dúvidas e incapacidades. questiono tudo o que ficou para trás, quem fui numa outra perspectiva, dentro da referida ilusão, e se terei agido sempre em conformidade com esse estado de euforia sentimental, se o demonstrei devidamente, todos os dias, a toda a gente. Se poderia ter feito algo de forma diferente ou se fiz tudo o que estava ao meu alcance para, de certa forma, merecer esse estatuto de homem finalmente feliz a passear constantemente nas nuvens.

sei quem fui e sei o que fiz. acredito mesmo que, se o tempo voltasse para trás, voltaria a fazer tudo da mesma forma. estava apaixonado? demonstrei-o. ficava deslumbrado todos os dias com a sua beleza? afirmava-o. manifestava uma ansiedade tremenda em estar sempre com ela? milhares de vezes. nunca me cansei. nunca houve enfado. o que nunca chegava... era o tempo. queria sempre mais e mais. nunca era nem foi suficiente. mas não é esse um sinal inequívoco de uma paixão galopante, o de querer estar sempre com a pessoa amada?

acreditei cegamente que seria finalmente feliz, coloquei todas as minhas esperanças, anseios, ilusões, fantasias e aspirações nessa empreitada, com vista a esse desiderato. o estilhaçar desse sonho deixou-me desfeito e vazio por dentro. se tentar chorar, já só chorarei pó; se me cortar, já só verterei cinza.

este é mais um funeral a que nunca pensei assistir. mas da mesma forma que luto, no final de cada dia, pela existência de mais um dia, e que anseio por cada novo fôlego diariamente, resta-me a convicção, plena, de que fui eu. limitei-me a ser eu, sem artifícios, maquilhagem ou ornamentos. fui o melhor que posso ser. mostrei aquilo que tenho de melhor. mas, mesmo assim, não foi suficiente. pelo que vejo agora, nunca seria. o meu melhor não chegará nunca aos tornozelos de qualquer outra pessoa. o meu melhor nunca representará muito em termos de oferta e perderá sempre em qualquer comparação. mas é o que tenho e nunca irei fingir que sou alguém que não sou.

o problema está identificado e bem enraizado, mas continua à espera de resolução, por ser uma consequência natural de quem se debate diariamente com a mesma dúvida existencial: devo ser como realmente sou porque só assim serei genuíno, autêntico e coerente, ou devo mudar a minha forma de ser, de agir e de pensar, para assim agradar mais, ou alguma coisa, às pessoas com quem interajo?

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