Haverá algo mais irritante do que estarmos a falar com alguém que usa a mesma muleta linguística repetidamente? É certo que não é uma situação tão grave como ouvir calinadas como “ouvistes”, “quaisqueres” ou “”hádem”, mas aleija na mesma. Foram anos a aguentar o martirizante “é assim”, o erróneo “prontos”, o inexplicável “a modos que” ou o transversal “cena”.
“A modos que, para mim, essa é uma cena marada, porque é assim, não estou nem aí para essas coisas, prontos. A minha cena não é essa, mas isso sou eu, tás a ver?”.
Sim, eu sei, depois de uma frase destas até a minha sombra fugiria mais depressa que eu. Mas, e este é mais um tique linguístico, “é o que há”:
Vem isto a propósito da enervante ascensão ao poder da muleta “tipo”, pulverizando todas as outras, sobretudo entre as camadas etárias mais jovens. Actualmente, é virtualmente impossível falar com alguém na faixa etária 15-30 sem ouvir 357 “tipos”. Ninguém sabe para que serve, mas a constante repetição da palavra despoleta um desconforto semelhante ao martelar de um prego no nosso canal auditivo.
O site Priberam descreve-a assim: “palavra esvaziada de sentido que se usa ou se repete no discurso, geralmente de forma inconsciente ou automática, como bordão linguístico”.
Exacto, “esvaziada de sentido”… Ninguém deixará de questionar as teorias evolucionistas da humanidade perante uma frase como esta: “Eu entrei tipo na sala, e tipo ficou toda a gente a olhar tipo para mim, e eu fiquei tipo nervosa, porque não sabia tipo o que fazer, foi tipo mesmo surreal, tás a ver?”.
Poderemos falar em preguiça ou desleixo mental, porque existem milhares de palavras, há dicionários à venda, livros para ler, mas será certamente mais fácil, ou mais prática, usar as mesmas palavras que toda a gente usa, tipificando toda uma geração.
Recuando um pouco no tempo, e estabelecendo comparações a níveis linguísticos, não deixamos de ficar maravilhados com o cuidado e tratamento que se davam às palavras para chegar a declarações de amor como esta: “E é amar-te, assim, perdidamente; é seres alma, e sangue e vida em mim; e dizê-lo cantando a toda a gente!”. Nos dias de hoje, algo indolente e entorpecido como “curto-te tótil, és tipo a pessoa que eu tipo mais amo e estou bué apaixonado por ti, porque és tipo top para mim” passa uma esponja sobre o processo criativo de Florbela Espanca.
O “tipo” é pandémico ao ponto de, tendo começado nas camadas mais jovens da sociedade, já ter contagiado as gerações mais velhas. Já não faltará muito para ouvirmos frases como estas no talho (“Quer o frango inteiro ou tipo partido?”), na reunião com a directora de turma do filho (“O Timóteo é assim tipo distraído e desleixado, tipo parece que nem está na aula”), ou no dentista (“Você tem aqui tipo cinco cáries e se não as tratar vai ter tipo muitas dores no futuro”).
Vendo esta temática pelo lado positivo, temos de nos sentir aliviados por não ter sido a geração do “tipo” a descrever momentos de elevada importância histórica no passado. Se fosse, ficaria algo como isto: “Este é tipo um pequeno passo para o homem, mas tipo um salto gigantesco para tipo a humanidade”; “Mr. Gorbachev, deite tipo abaixo este muro”; “Eu tenho tipo um sonho, de que os meus quatro filhos viverão tipo um dia numa nação onde não serão julgados tipo pela cor da sua pele, mas tipo pelo teor do seu carácter”; “Eu sou tipo um berlinense”; “Para Angola, tipo rapidamente e tipo em força”.
Vamos esperar que isto passe, tipo, depressa.
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