afinal, a vida prepara-nos para quê? fala-se tanto em aprendizagem, maturidade e sabedoria adquirida com a idade, e, no entanto, eu continuo sem perceber onde irei encontrar isso tudo.
receio que tenha entendido tudo mal logo de início. aprendi caminhar, a falar, a ler, a escrever, a andar de bicicleta, a nadar (não para salvar a minha vida, mas o suficiente para me cansar ao fim de quinze segundos), a apertar os sapatos, a vestir-me (embora tenha faltado a todas as aulas que versavam os nós de gravata), a conduzir, a lavar-me e a assoar-me (aqui sim, não faltei a uma única aula e sou um autêntico campeão!).
chegado à madrugada dos 46, e depois de todas aquelas etapas complicadas do parágrafo anterior, encontro-me, na realidade, um pouco perdido. sinto que faltam algumas coisas e que, sem as quais, não consigo efectivamente entrar naquilo a que toda a gente chama de vida. assim de repente, tenho graves lacunas em termos de tacto social, um sentido de oportunidade péssimo (fico sempre com a sensação de que as pessoas me dão 5 segundos de benefício da dúvida para dizer algo inteligente - ou inteligível - e que eu nunca aproveito da melhor forma esse tempo. e pior: quando vou começar a dizer algo, as pessoas, que já tiveram a bondade de me "oferecer" 5 segundos, já fizeram as malas e foram oferecer essa quantia exagerada de tempo a outras pessoas) (ena, que grande parêntesis...) (olha, três parêntesis seguidos!...) e, acima de tudo, uma introversão bipolar, que por vezes se mascara de extroversão.
resumindo: nem eu próprio me consigo entender e, muito menos, viver comigo e com as minhas múltiplas camadas.
sinto-me feliz, por vezes, e até consigo prolongar o momento por alguma horas. é giro! consigo sorrir até, alegrar as pessoas à minha volta, ao ponto de até lhes conseguir vislumbrar, amiúde, algum esgares de consideração, respeito e admiração. reconheço-os porque são uma lufada de ar fresco depois de tantos franzires de sobrolho e revirares de olhos. mas logo depois, se porventura esmoreço ou caio novamente na minha teia sorumbática, aparecem imediatamente carradas de malas outra vez e ouve-se uma voz feminina no altifalante: "senhores passageiros, o comboio estacionado na linha 3 vai partir em direcção a badajoz".
a sensação é exactamente igual às entregas de testes no liceu, quando eu tinha a noção que um determinado teste me tinha corrido excepcionalmente bem e que iria ter uma excelente nota, e aparecia para me cumprimentar um gigante 6, 7 ou 8, a vermelho. é uma mistura de incredulidade com ingenuidade, servida com uma redução de inadequação e uns salpicos de angústia e resignação.
pensei que tinha estudado o suficiente. julguei que tinha respondido da melhor forma a todas as questões. esforcei-me para ter uma boa nota. por tudo isto, quando acabavam os testes, saía da sala de aula leve como uma pintainho, aliviado e certo de que a nota estava garantida. afinal, tinha dado o meu melhor. essa boa sensação prolongava-se entre o final do teste e a entrega do mesmo. depois disso, vinham as questões todas, sempre as mesmas. percebi tudo mal? onde é que errei? se me esforcei tanto e tirei esta nota miserável, que raio de nota receberei quando nem sequer me esforçar?
portanto, estamos perante um daqueles casos em que a professora, quando chamava os pais à escola, dizia que as notas eram más porque a matéria não tinha sido apreendida. já passaram tantos anos e, no entanto, continuo a receber más notas e a sentir-me exactamente da mesma forma naquilo a que toda a gente chama de vida...
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