há uma qualquer força cósmica que faz com que eu, sempre que vou sozinho às
compras lá para casa, cometa sempre algum erro de palmatória. até em coisas
simples, como ir buscar uns raminhos de salsa ao mini-mercado, em que eu, em vez
de tirar os ramos por inteiro de um molho atado, parti-os ao meio e trouxe só a
parte de cima dos ramos da salsa. quando a minha mulher me pede para ir comprar
alguma coisa, porque lhe é de todo impossível ir (só mesmo assim), todo eu tremo
de medo, porque já sei que algo vai correr mal. ou trago pacotes de leite mais
caros do que o habitual (nem que a diferença seja de cinco cêntimos ela repara
sempre), ou em vez de escolher fiambre da pá trago da perna (raios me partam se
algum dia vou conseguir distinguir estas variedades), ou escolho dois frangos
crus que estão mal depenados (mas alguém se preocupa com isto quando está a
escolher dois frangos crus? se estão dentro de um saco é porque estão bons para
vender...). o pior mesmo é quando tenho como "missão" comprar fruta. é
completamente impossível eu acertar em alguma coisa neste departamento. se
compro bananas, estão muito verdes. se escolho tangerinas ou laranjas, não
prestam porque são muito ácidas e sempre que alguém mete um gomo à boca faz mais
caretas que o jim carrey. maçãs, peras, kiwis, ameixas, diospiros, tudo sempre
verde ou, por incrível que pareça, maduro demais.
as mulheres, quando vão às
compras, têm um comportamento diferente. enquanto nós procuramos demorar o menor
tempo possível, geralmente agarramos no primeiro produto que encontramos, as
mulheres, não querendo generalizar, sabem que mesmo uma lista de meia dúzia de
items exige pelo menos uma hora, porque têm que analisar e comparar tudo:
ingredientes, preço, a relação quantidade/qualidade, as calorias, o dia em que o
produto foi embalado, quando acaba a validade do mesmo, onde foi produzido, qual
era o nome de cada uma das vacas que deram o leite, apalpam a fruta toda para
ver se está madura ou verde (ficam meia hora a apalpar fruta. eu vi e posso
comprovar tudo isto), provam as uvas, provam as azeitonas, só não provam o
camarão porque os senhores não deixam, dão-se ao cuidado de ver, quando escolhem
frango cru, se ele está bem depenado ou não, perguntam sempre na charcutaria
qual é o fiambre mais fresco e sabem exactamente a diferença entre o da pá e o
da perna. mas o pior mesmo é a secção da roupa, que é sempre percorrida de uma
forma minuciosa, ao detalhe, até ao último cinto ou par de meias nos
expositores. então a facilidade com que elas se descalçam e experimentam umas
sandálias ou sapatos é assustadora. nem quero pensar na quantidade de pessoas
que já tinha metido ali os pés naqueles mesmos sapatos. é assustador. aliás,
quando vou com a minha mulher, o que felizmente hoje em dia é muito raro (já vão
perceber porquê no próximo parágrafo), àquela secção, sinto que sou a única
pessoa calçada no meio de uma dúzia de mulheres descalças dispostas a
experimentar tudo o que houver para experimentar em matéria de calçado. sinto
sempre que não há espelhos suficientes para aquela gente toda. elas até fazem
fila para se verem ao espelho. o mais engraçado, e é nisto que a minha mulher é
especial neste aspecto, é que ela experimenta, gosta, pede-me opinião, eu aprovo
(faço tudo para sair dali o mais rapidamente possível), ela descalça-se, volta a
calçar os sapatos que trazia, arruma o calçado que experimentou, gostou e que
tinha recebido a minha aprovação e quando eu lhe pergunto por que não os leva
(depois de termos perdido largos minutos com aquilo tudo), ela responde,
simplesmente, "não, deixa estar", ou então "não levo porque daqui a uns meses
começam os saldos e compro-os por metade do preço". pronto, lá reviro eu os
olhos mais uma vez, sempre com a sensação de que nunca mais na vida vou
conseguir recuperar aqueles 45 minutos.
antigamente, ir às compras com a
minha mulher era uma aventura, perdia a conta aos suspiros e à quantidade de
revirar de olhos. hoje, sempre que vamos os quatro às compras, felizmente, e
realço o felizmente, fico com a minha filha na secção dos livros ou com o meu
filho na secção dos jogos de playstation e deixo-a ir à vontade apalpar fruta durante meia
hora. é muito mais reconfortante. primeiro porque tenho total confiança na
capacidade de apreciação e no juízo de valor da minha mulher na escolha dos
produtos, por todas as razões acima discriminadas; e depois porque, assim, já
não vou cometer nenhum erro nas compras. por falar nisso, este texto surgiu
porque a minha mulher me telefonou, pedindo-me para passar pelo continente e
comprar dois frangos crus. pelo sim, pelo não, vou levar a minha lupa, para ver
se os galináceos estão efectivamente bem depenados. não quero arriscar desta
vez.
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