"só
existe uma coisa melhor do que fazer novos amigos: conservar os
velhos."
elmer g. letterman
não faço a mínima ideia quem é elmer g.
letterman, até procurei no google mas o homem nem sequer tem página no
wikipedia. portanto, é um borra botas qualquer, que num belo dia proferiu esta
frase. alguém a ouviu na mesa ao lado do café e achou-lhe piada, ao ponto de a
colocar num daqueles sites bonitinhos com frases sobre tudo e mais alguma coisa:
amizade, amor, hóquei em patins, puericultura, pesca submarina, acne facial,
etc.. encontrei a frase num site desse género, em trabalho. vi a frase, que até
estava destacada, e senti-me exactamente da mesma maneira que o tal tipo que
estava na mesa ao lado no café, onde o elmer g. letterman ia tomar todos os dias
o pequeno almoço com um primo, quatro anos mais novo do que ele, que tinha a
particularidade de coxear das duas pernas. de facto, a frase faz sentido,
sobretudo se olhar para os últimos meses da minha vida. procurar novos amigos é
complicado, sobretudo quando já se passou há muito a barreira dos 30 anos e
estamos naquela fase em que não estamos para nos chatear com essas coisas. os
velhos amigos já leram o nosso manual de instruções, já assimilaram as
informações vitais, conhecem os nossos gostos e sabem lidar perfeitamente com o
nosso feitio. iniciar um novo processo com um total desconhecido pode ser
traumático. faz lembrar aquela teoria que define a principal diferença
sentimental entre homens e mulheres da seguinte forma: um homem pode ter dez
mulheres apaixonadas por ele, mas no dia em que uma delas deixe de o amar, ele
começa a questionar tudo, inclusivamente o amor das outras nove, partindo do
princípio que a que deixou de o amar é que tem razão. por sua vez, uma mulher
borrifa-se completamente para os outros nove homens que não estão apaixonadas
por ela, porque tem um que está e isso basta-lhe. o que é que eu quero dizer com
isto? bem, vamos lá ler tudo isto juntos, devagarinho desta vez. eu
espero...
bem, a questão, transportada para assuntos de amizade, pode
desembocar exactamente na mesma conclusão. se o carlos carpinteiro cortou
relações com o arlindo gnr, oficialmente por conflitos de personalidade mas toda
a gente sabe que foi porque o arlindo foi "chibar" à mulher do carlos que ele,
aos sábados, em vez de ir ver os jogos de futebol na sport tv do café do senhor
cardoso, vai a casa da salete, que é precisamente a mulher do coitado do senhor
cardoso, que tem que ficar com o café aberto a noite toda por causa do futebol
na sport tv (uff, vamos respirar fundo agora que a frase já vai longa como o
catano), servirá o mesmo arlindo para ser amigo de um outro qualquer ser humano?
bem, talvez só de um padre. ou da mulher do carlos, porque se calhar era essa a
sua intenção desde o início.
conservar os velhos amigos é sinal de
maturidade, de plenitude emocional. em termos simplistas, mas mesmo muito
simplistas, é como a minha relação com a roupa. há anos que tenho um casaco azul
(o casaco que tenho vestido na foto no meu perfil), até já lhe dediquei um post
uma vez; sinto-me confortável com ele, visto-o e sei que ele "encaixa"
perfeitamente porque parece já moldado ao meu corpo. sou muito esquisito com a
roupa. normalmente, qualquer peça de vestuário nova leva imediatamente um
carimbo de "não me sinto confortável com isto". até já mandei fazer autocolantes
para facilitar a vida à minha mulher. ou são as mangas que são muito compridas
ou curtas, os colarinhos irritam-me o pescoço, o último botão da camisa não dá
para apertar, o penúltimo está muito subido ou muito descido, as calças arrastam
no chão e é preciso fazer uma dobra (e eu detesto dobras), a t'shirt por baixo
do pullover ou se vê demasiado ou não se vê de todo. enfim, um suplício. para
evitar estes dramas matinais, eu tenho uma dúzia de peças de roupa infalíveis,
daquelas com que se pode contar sempre quando o tempo aperta e não há muito
tempo para perder com estes momentos desconfortáveis. o tal casaco azul é uma
delas. por muito velho e gasto que ele possa vir a ficar, será sempre de
preservar. a roupa estraga-se, mas pode sempre remendar-se; as amizades, por
vezes, também se estragam, mas existem sempre soluções para as "remendar". até
no caso do arlindo e do carlos...
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