falha-se o momento, perde-se a oportunidade... e o mundo avança, sem  piedade, sem contemplações. mais uma ruga, mais 134 cabelos brancos,  mais uma colecção de frases que deveriam ter sido proferidas em  determinado momento mas que só nos surgem horas depois. a vida é  construída de pequenos nadas, em que até uma mera palavra, dita no  momento exacto e com a respectiva eloquência, pode fazer toda a  diferença, seja no emprego, na vida pessoal, familiar ou numa  colectividade recreativa e social. até pode ser uma palavra tão simples  como "sim", "não" ou "trombocitopenia". a questão é dizê-la quando  realmente interessa, quando ela pode fazer toda a diferença. acumular  sentimentos, remoer amarguras sem as extravasar, reviver momentos  passados ao segundo, analisando todas as palavrinhas, vírgulas e pontos  finais, é tão saudável como andar de bicicleta em fukushima.
por mais "programados" que estejamos para enfrentar determinado momento  das nossas vidas, quando ele surge parece que o nosso cérebro ganhou  uma aridez nunca antes vista. a lógica é a mesma de um hotel ter um dia  semanal de descanso. não há nenhuma lógica que explique como é que se  pode estar preparado para algo, às vezes com o diálogo já todo decorado e  na ponta da língua, e depois, quando é realmente a valer, ficar  petrificado e com as cordas vocais entrelaçadas. o momento está lá, os  intervenientes também, mas a conversa programada dilui-se como o pó de  uma saqueta de alka-seltzer num copo de água. no final, quando o nosso  cérebro recupera do choque e já conseguimos processar novamente o  argumento previamente estabelecido, apetece voltar a chamar a pessoa, ou  pessoas, para, então, repetir o momento. mas este, quando se perde,  nunca volta. é o chamado "síndrome miles raymond" - quem viu o filme  "sideways" sabe do que estou a falar. faz lembrar, também, um episódio  de "seinfeld", em que george costanza é alvo de chacota no seu local de  trabalho, por comer camarões em catadupa e de forma alarve ("hey george, the ocean called; they're  running out of shrimp").  na altura, fica sem palavras, mas horas mais tarde lembra-se da  resposta perfeita. nos dias seguintes, no escritório, tenta  desesperadamente repetir a situação inicial, de forma a poder responder  adequadamente ao comentário do seu colega de trabalho. obviamente,  apesar de conseguir dizer o que tinha "engatilhado" há dias, o impacto  não é o mesmo. os timings, nestas situações, são vitais.
george clooney,  em "up in the air", é um homem solitário, habituado a viajar de um lado  para o outro, sem residência fixa, sem amarras emocionais ou  familiares. no entanto, quando começa a vacilar sentimentalmente, por  vera farmiga, vai perdendo, sucessivamente, o momento exacto para  "oficializar" o que sente, isto apesar de ela lhe dizer que "i am the  woman that you don't have to worry about" (e mais tarde saberemos o que  ela quis dizer com isto). quando eles se despedem, no aeroporto (where  else?), depois de um fim de semana juntos, ela diz-lhe "call me when  you're feeling lonely". enquanto ela se vai afastando, ele diz "i'm  feeling lonely right now", sem que ela ouça. mas que raio, se nem o george clooney  consegue "sacar" um momento destes, que esperança temos nós, a ralé  feiosa e totalmente desprovida de charme? mas confesso que gostei de  ver, tanto em "500 days of summer" como em "up in the air", duas  personagens femininas verdadeiramente independentes a nível emocional e  de fortes convicções a nível sentimental: zooey deschanel e vera  farmiga.
voltando à terra, cada um de nós é responsável pelos  momentos que perde, por todas as frases que não chegou a dizer, pelos  "amo-te" que não confessou, os "tens mau hálito", os "já ouviste falar  em desodorizante?", ou os "raios me partam se esse decote não é das  coisas mais sensuais que eu já vi na vida". em suma, por tudo o que  ficou a entulhar o telencéfalo ao longo dos anos. seríamos mais felizes  se tivéssemos dito tudo o que nos passou pela cabeça? nunca se saberá...  mas, em todo o caso, os momentos já passaram e as oportunidades  goraram-se. irreversivelmente.
Sem comentários:
Enviar um comentário