capítulo IX
os dias seguintes foram de tédio absoluto. o andré tinha ido de férias, com uma namorada recente, a verónica, para itália. eu tinha a casa só para mim e tempo para construir um navio, mas não me apetecia fazer nada. só tinha a sofia na cabeça, um pensamento tão vívido e tão forte que até me tolhia os movimentos. os dias de trabalho, a quinze dias de ir de férias, sucediam-se, sem nenhuma ponta de interesse. dias houve em que "despachei" a garrafa de vodka toda e, mesmo assim, as coisas não melhoraram. faltava-me lá o andré para a "galhofa", para nos rirmos de toda e qualquer situação, mesmo as mais normais possíveis. os meus outros colegas da repartição eram chatos como tudo, tinham uma cultura geral abaixo de cão, limitando-se a repetir durante todo o santo dia as anedotas que tinham ouvido na noite anterior nos "malucos do riso" ou nos "batanetes". eu devia olhar para o relógio umas duzentas vezes por dia, tal era a vontade de sair dali. atender as pessoas ainda era o mais insuportável, digamos que era bem o exemplo de um funcionário do estado: mal encarado, antipático e pouco prestável. ficava as tardes todas a pensar no que haveria de fazer quando saísse daquela "prisão" e, quando finalmente saía, metia-me em casa, sem coragem nem iniciativa para fazer fosse o que fosse. limitava-me a ficar no sofá, com o comando da televisão na mão, a mudar de canal. no dia seguinte, mais uma gigantesca dose de neura no trabalho. sempre, mas sempre, com a sofia na cabeça. angustiava-me a incerteza de um novo encontro, a minha cobardia e impotência para lhe pedir um número, uma morada, o que quer que fosse que a mantivesse ligada a mim. estávamos em agosto, ela estava certamente de férias, sabe-se lá onde. e eu aqui, "amordaçado", em lisboa, que parecia vazia, sem alma e também ela de férias.
os dias foram passando, sempre da mesma forma, até eu sentir uma enorme necessidade de falar com alguém, de algum calor humano, compaixão, ternura... ir a uma festa ou sair sem o andré era mentira, ainda não me sentia preparado para enfrentar uma multidão sozinho. mas dei o primeiro passo, que era vital, para estancar aquela monotonia: meti-me no carro, depois de jantar, e vagueei sem destino. para mim já era uma grande passo, aventurar-me sozinho na noite, sem "muletas", sem paternalismos de qualquer espécie. acabei por ir ao colombo tomar café, fazendo questão de escolher a mesma mesa onde estive com a sofia. desta vez tomei mesmo o café, seguindo depois para uma inconsequente excursão pelas montras. sentia-me tão sozinho, tão desamparado, que cheguei a pensar em ligar à sónia, que ainda estava por lisboa. mas o marco não iria compreender. depois pensei na paula, a fogosa mulher do césar cardoso, tal era o desespero. saí do colombo e passei por casa dela, de carro. não sei o que é que eu pensava encontrar indo lá. a paula à porta de casa, em lingerie, a fazer-me sinal com o dedo para eu entrar? um sinal gigante em neón a dizer "o meu marido saiu em negócios, só volta para a semana"? não sei o que me motivou a ir ali, à procura de algo que a paula, manifestamente, não me poderia voltar a dar. já tinha sido um grande risco da outra vez, ainda acabaria por lhe estragar a vida. por isso afastei-me do local, em direcção... ao vazio. ainda não me tinha sentido assim tão sozinho desde o meu divórcio. sentia-me mal e angustiado mas recusava-me a assumir a derrota daquela noite. continuei a conduzir, pela noite dentro.
estava uma noite quente, quase sem vento, e eu tinha os vidros abertos. parei num sinal vermelho e, do meu lado direito, vi três prostitutas, o que até era normal ver quando saía com o andré. de roupas minúsculas, maquilhagem a mais e... ao alcance de qualquer pessoa. uma delas disse bem alto "30 euros, uma hora". a minha primeira reacção foi de profunda censura e até de algum nojo. sempre tinha reprovado o conceito de alguém "alugar" o corpo por alguns minutos a troco de dinheiro. quando o sinal verde abriu, suspirei de alívio. mas, à medida que o tempo ia passando, e a frase "30 euros, uma hora" não deixava de ecoar na minha cabeça, começou a instalar-se uma forte curiosidade e uma vontade de experimentar algo que nunca tinha vivido. sim, tinha noção de que era o "último recurso", mas se houve noite, em toda a minha existência, em que eu não queria regressar sozinho para casa foi aquela. voltei a passar por lá e encostei. lentamente, uma delas foi-se aproximando do carro. era feia como tudo e, sinceramente, creio ter visto um proeminente buço nos cantos da sua boca quando proferia, vezes sem conta, o "famoso" chavão "30 euros, uma hora". como não estava minimamente preparado para tanta falta de beleza, disse à prostituta que não estava interessado e pedi-lhe para chamar uma outra sua colega de profissão. ela reagiu mal e, no mais estridente sotaque brasileiro, lá foi perguntando se aquilo era algum "rodízio de putas". depois de me mandar para a "puta qui ti pariu" e de se afastar, aproximou-se uma das outras duas. sotaque ucraniano, ou de algum país de leste, sem buço, olhos azuis e cabelos louros, curtos. chamava-se natasha e praticava os mesmos preços da sua colega do rodízio. disse-lhe para entrar no carro, ao que ela prontamente acedeu. pelo caminho, fiz-lhe perguntas sobre as "condições" do nosso pequeno contrato, nomeadamente se a poderia levar para casa. ela, em mau português, disse que podia ser onde eu quisesse, desde que lhe pagasse o táxi para regressar. já era tarde quando entrei em casa com a natasha. creio que nenhum vizinho nos viu a entrar; se vissem facilmente chegariam à conclusão de que ela era uma prostituta, tal a forma como estava vestida. mal chegamos ao quarto, ela começou imediatamente a despir-se, o que demorou uns meros trinta segundos, dada a quantidade, ou a falta dela, de roupa que tinha vestida. perguntou-me onde era a casa de banho e se eu me queria lavar primeiro. eu concordava com tudo naquela altura, sentia-me bem por estar com alguém, mesmo que esse alguém fosse uma pessoa que não percebia quase nada do que eu dizia. quando regressamos ao quarto, ela pediu-me o dinheiro e disse que eu tinha uma hora. de repente, sentia-me uma criança a quem os pais deram 500 escudos para andar nos carrinhos de choque na feira popular. paguei à natasha, ela arrumou o dinheiro na carteira e deitou-se na cama.
uma hora depois, chamei-lhe um táxi por telefone. a minha solitária saída nocturna tinha acabado por me custar algum dinheiro, mas, no final, ficou um certo sabor a vitória, mesmo que tenha sido alcançada com um "golo irregular". o mais importante foi não ter ficado sozinho, mesmo que tenha pago pela companhia. a natasha tinha acabado de me "desvirginar".
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