terça-feira, junho 26, 2007

retalhos de um romance

N - ainda achas que nós teríamos futuro juntos?
A - acho, eu entendo que foste tu que tiveste medo de ser feliz comigo.
N - mas já viste o que poderíamos ter perdido se não resultasse?
A - hoje, em vez de grandes amigos, seríamos um casal perfeito.
N - não digas isso. as coisas resultam bem porque apenas estamos juntos uns momentos, não mais do que isso. quando estivessemos sempre juntos, de manhã à noite, ficaríamos sem assunto, entediados. e eu não sei se sobreviveríamos a isso.
A - mas porque é que nunca tentámos?
N - porque acho que, a nível afectivo, nunca sentimos o mesmo um pelo outro. eu nunca consegui atingir o teu patamar de ilusão, imaginar outro cenário que não este, aquele que vivemos.
A - nunca imaginaste mais do que isto? caramba, tu não tens namorado há anos, vives sozinha, tens poucos amigos. seria assim tão complicado "arranjares" um espaço para mim na tua vida?
N - com o tempo fui aprendendo a dar valor à minha liberdade, ao meu espaço, sem ninguém a controlar o que faço com o meu tempo, a perguntar-me o que estou a pensar, a "escravizar-me" emocionalmente. tu sempre fizeste parte da minha vida, vieste sempre que precisei de ti, estiveste ao meu lado quando o meu pai morreu, ajudaste-me a ser forte, fizeste-me rir quando só me apetecia chorar. que hei-de dizer mais? és o meu rochedo.
A - no entanto, não posso deixar de sentir uma certa amargura por nunca me teres considerado sequer para outro tipo de papel na tua vida.
N - mas tu és meu amigo, haverá papel mais importante do que esse?
A - e se um dia abdicares dessa tua liberdade por alguém? uma outra pessoa, que não eu? vou ficar de rastos, vou assumir que não tinha os argumentos necessários para te conquistar, para que te apaixonasses por mim. não sei se saberei lidar com isso.
N - pode acontecer, não digo que não. até agora nunca me deixei dominar pelos meus sentimentos nem pelos sentimentos dos outros. ainda me sinto um mustang, um cavalo selvagem que ainda ninguém conseguiu domar verdadeiramente. acho que não fui feita para estar parada, quero correr, voar, navegar, ver o mundo, sentir o vento a despentear-me os cabelos, a chuva a escorrer-me pelo corpo, eu sei lá. tudo! acho que ainda não vivi nada do que queria ter vivido.
A - então também é por causa disso tudo que nós nunca poderíamos ter ficado juntos?
N - também. nós somos diferentes. desenhamos futuros diferentes. juntos, acabaríamos por atrapalhar o desenho um do outro e, provavelmente, acabaríamos por apagá-lo.
A - dito dessa forma, até parece que foi uma sorte nunca te teres apaixonado por mim...
N - é, foi uma sorte.

(continua)

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