quinta-feira, maio 03, 2007

desprendimento

era uma sensação com um misto de prazer
e desconforto, não sabia definir bem.
um aperto onde a vida se enuncia
ou o pronúncio de uma saudade
em que a mesma se atormenta.
uma incoerência entre o que se diz e o que se faz,
ou o vazio de um fim que tem de acontecer
e de que se ignora o depois;
um alívio de incumbência
ou a certeza irremovível do tempo.

sentia-se dono de uma serenidade sem desalento,
porque o passado não lhe remoía o presente
e nunca se sentaria à espera das tábuas necrológicas.
a vida ensinara-lhe que não há prudências
nem regozijos programados,
pois ninguém controla os desígnios.

convencia-se, por vezes, de um fatalismo insuperável
e nele justificava os desaires.
amava a vida mas não esquecia a morte,
era um constante conflito entre a luz e a escuridão.
a morte era-lhe essa marca de infância,
semelhada pela vida fora,
do tamanho de uma sombra poligonal,
conjecturada e não vivida.

a morte fora sempre a sua vulnerabilidade,
a sua angústia, uma ferida que se disfarça,
mas que nunca sara. era uma justiça divina
e uma ingratidão do destino, porque, crente,
nunca a compreenderia na sua ocasião,
suportando-a em silêncio,
contra os desprezos e as raivas;
um castigo sem culpa, impossibilitado
de apresentar provas e testemunhos
da sua inocência.

o futuro encolhera aos seus olhos,
mas ainda teria tempo de saber
se é mais fácil ou mais difícil
polir uma identidade quando se dobra
a esquina da idade maturescente,
deixando para trás agrados antigos,
quando os livros o faziam viajar
pelos caminhos de fantasia,
imaginando futuros inalcançáveis
e aventuras que não chegou a realizar.

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