é completamente impossível prever o que nos vai acontecer durante um determinado período de tempo, não havendo forma de garantirmos a felicidade suprema ou de evitarmos a mais profunda depressão; limitamo-nos, simplesmente, a entregar a nossa carcaça ao destino para este fazer connosco o que bem entender. foi com este aforismo que enfrentei uma semana de férias, a meio de novembro, um hiato agendado desde março.
perguntar-me-ão (e eu não vos posso censurar por isso): mas por que raio marcar férias de uma semana em novembro, em que há frio, chuva, vento, neve, deslizamentos de terra, tsunami's e avalanches a toda a hora? respondo a essa pertinente questão com isto: não têm rigorosamente nada a ver com isso. adiante...
é engraçado como as nossas perspectivas se alteram em virtude de um identificado momento. se antes desse momento olhava para as minhas férias como um bloco de tempo entediante, sem nada previamente agendado ou definido, depois dele parece que tudo se transformou. se estava renitente ou receoso com a forma como iria preencher o meu tempo durante nove dias (uma semana mais dois fins-de-semana), esse referido momento abriu uma enorme avenida à frente dos meus olhos. e o mais espantoso é que teve lugar precisamente nas minhas primeiras horas de férias, porque tinha saído do trabalho duas horas antes nesse dia, 15 de novembro. essa noite mudou tudo e as minhas férias passaram a ter outra banda sonora e outro calor, mais cores e, sobretudo, um enorme e apatetado sorriso de orelha a orelha que ainda hoje não consigo deixar de evidenciar.
leitura.
durante a semana, li dois livros: "a paixão segundo G.H.", de clarice lispector, e "a sombra do vento", de carlos ruiz zafón. este último, "devorei-o" num dia e meio, de tão agarrado que fiquei à narrativa. custava-me pousar o livro, porque a ansiedade queria sempre mais, tal como me custou, no final, despedir-me daquelas personagens. repeti a experiência vivida aquando da leitura de "a mulher que correu atrás do vento", de joão tordo, que também li num ápice, dando por muito bem empregues todas as horas que passei a mergulhar no universo literário do escritor de barcelona. já iniciei um novo livro, provindo das mesmas eruditas mãos que me recomendaram as obras já citadas: "conversa n'a catedral", de mario vargas llosa. dar-vos-ei feedback daqui a 600 páginas. controlem essa ansiedade, por favor...
cozinha.
um homem na cozinha. quais são as suas principais dificuldades? eu tinha uma, muito grande mesmo: não sabia fazer arroz. vivo sozinho há muito tempo já e não havia forma de me aventurar a fazer arroz. nestas férias, decidi colocar mãos à obra. comprei o arroz, li as instruções, adicionei o que tinha a adicionar, nas doses certas, a água, o arroz, a água a ferver e tal. no final, devo dizer que gostei do meu arroz, ficou solto, sequinho e até saboroso. mas haverá sempre margem, claro, para melhorar. tal como na minha outra empreitada: fazer frango assado. habituado ao meu "frango à zé alberto", que vai ao forno apenas com sal, cerveja, sopa de cebola e natas, entendi que tinha de alargar o meu espectro culinário em termos galináceos. comprei os ingredientes (colorau, alho, vinho branco, louro, sal e azeite), misturei tudo, espalhei pelo frango e... não é que ficou uma delícia! certamente que não ao nível das minhas omeletes, muito apreciadas (eheheh), mas com uma qualidade muito satisfatória!
desporto.
desde a instalação da aplicação google fit, tenho estado muito mais desperto para a minha condição física. comecei lentamente a fazer caminhadas, aumentando o ritmo de semana para semana, passando à corrida quando me senti preparado para tal. a aplicação começou a ajustar-me os objectivos semanais, aumentando a carga em termos de minutos activos e de pontos cardio. tenho atingido as marcas propostas e esta semana não foi excepção. apesar do frio e da chuva, fui bem cedo para o fontelo e para o parque de santiago tratar de mim, da minha condição física e do meu bem-estar.
a tudo isto, junte-se muita música, tanto em casa como na rua, durante as caminhadas/corridas, filmes e séries, tempo de qualidade com os filhos, pais e irmã, e o cimentar de todas as amizades que fazem de mim uma melhor pessoa.
voltando a 15 de novembro, é óbvio que poderia ter feito tudo isto que referi durante estes nove dias, da mesma forma, à mesma hora. não teria era o coração tão aconchegado como o tive, nem exibiria o tal sorriso apatetado a toda a hora. há momentos em que até sentimos o som das peças a encaixar umas nas outras, em que temos a certeza de que estamos a regressar a casa depois de uma longa ausência, em que conseguimos ver reflectidos nos olhos que temos à nossa frente as mesmas sensações, a mesma cumplicidade, as mesmas certezas e convicções. o peito enche-se novamente de ar, o coração volta a ter espaço para pular de felicidade e a alma volta a ter lenha para se aquecer. depois desse dia, tudo voltou a fazer sentido novamente, as chaves voltaram a entrar nas fechaduras certas, os planetas alinharam-se novamente e as cores regressaram às nossas faces.
é impossível quantificar o peso do amor na vida de uma pessoa, a forma como determina as nossas reacções, a nossa disposição ou até a nossa vontade de acordar todos os dias. não consigo quantificar, é certo, mas estou convicto, agora, nesta fase da minha vida, e depois de meses de amargura, de que não posso viver sem ele, sem esta sensação de harmonia e plenitude emocional que dele advém, sem esta convicção de que estou acompanhado mesmo quando estou a 300 quilómetros de distância dele, sem esta euforia de me saber de alguém e de ser de alguém, numa comunhão perfeita em todos os sentidos. harmonia, plenitude e serenidade. tudo isto regressou nesse dia e foi devidamente comemorado na nossa data, três dias depois. o nosso equilíbrio emocional foi restaurado e em virtude disso eternizou-se um enorme sorriso nos nossos rostos.
domingo, novembro 24, 2019
sábado, novembro 02, 2019
from a late night train
21h30 – chovia intensamente naquela tristonha
noite de outono, envolta em denso nevoeiro. a estação estava quase vazia e a
sua companhia eram dois tropas e um casal idoso. a premência de nunca chegar
atrasado fosse onde fosse fazia com que chegasse sempre muito antes da hora
marcada. a viagem só se iniciaria, se dentro do prazo, 20 minutos depois.
a chuva teimava em não abrandar e ele caminhava,
dentro da estação, de um lado para o outro, para não ficar com os pés frios. eram
passos trémulos e inseguros, de quem não tinha a certeza se aquele comboio
tinha efectivamente o destino pretendido. olhava à sua volta, como se
procurasse algo ou alguém, mas o nevoeiro cerrado não permitia visualizar muito
além de um raio de dez metros. o nó na garganta acentuava-se a cada minuto que
passava, pensava nas pessoas que ia deixar para trás, das quais não teve
oportunidade de se despedir. a ter que partir, só poderia ser assim, e ele sabia
bem disso, mas essa era mais uma faca espetada no seu amargurado coração.
a espera tornava-se cada vez mais amarga e
insustentável. era um homem dividido: parte dele queria que o comboio chegasse
rápido, para acabar com aquele sofrimento; mas na outra parte ainda residia
alguma esperança de não chegar a partir. as dúvidas começavam a coarctar-lhe os
movimentos e agora era uma homem especado a olhar o vazio em que se tinha
tornado. uma lágrima soltou-se pela sua face abaixo, chamando muitas outras
atrás de si, quando mergulhou nos últimos anos da sua vida e recordou tudo
aquilo que poderia perder dez minutos depois.
o nó na garganta aumentava à medida que os
minutos iam ficando mais curtos para a chegada do comboio. a estação estava
agora muito mais composta, algo que poderia camuflar a sua agonizante solidão,
mas, ao invés, acicatava ainda mais a dor que sentia, porque nenhuma das
pessoas que chegavam eram aquela que ele mais queria ver. o confronto entre os
dois cenários que tinha pela frente dilaceravam-no: ficar ou partir. a razão
mandava-o partir, mas o coração ainda insistia para ele ficar e tentar, mais
uma vez, rectificar o mal que fez, a dor que causou, a desilusão e a tristeza
que provocou na pessoa que sempre menos quis magoar. aquele comboio que iria
chegar poderia ser o recomeço de algo, mas também tinha um enorme carimbo de fracasso
que ele não conseguia escamotear ou deixar de ver.
a chuva continuava teimosa, as pessoas mostravam-se
cada vez mais impacientes, agarrados às suas malas, balbuciando impropérios entre
tossicares, ou falando cada vez mais alto à procura de público para as suas
conversas fúteis sobre o tempo. ele mantinha-se estático, imperturbável e
sereno, apesar da enorme convulsão interior. apenas mexia a cabeça, para a
esquerda e para a direita, quando chegava mais alguém à estação. se fosse
possível ver a sua alma, ela estaria a sangrar o mais escuro dos sangues,
fustigada pela dimensão das suas incertezas.
o frio era agora mais intenso. faltavam cinco
minutos para a chegada do comboio. o espaço que ocupava há cerca de 20 minutos
era cada vez mais reduzido e começava a fartar-se dos “peço desculpa” e dos “foi
sem querer” com que era brindado de meio em meio minuto. o nevoeiro não deixava
perceber se o comboio estaria a chegar, mas a hora aproximava-se e ele ali
estava, ainda sem uma decisão, com os níveis de ansiedade na sua expressão
máxima.
olhava agora ainda mais insistentemente à sua volta, à procura de um rosto específico, de olhos meigos, e daqueles cabelos longos que ele idolatrava e adorava acariciar. o comboio estava agora, oficialmente, atrasado. ele sentiu essa falta de pontualidade como um sinal. assaltava-o a ideia de que a decisão de partir poderia não ser a mais acertada, porque se assim fosse a sua mente não continuaria a enviar-lhe mensagens de desconfiança e incerteza.
olhava agora ainda mais insistentemente à sua volta, à procura de um rosto específico, de olhos meigos, e daqueles cabelos longos que ele idolatrava e adorava acariciar. o comboio estava agora, oficialmente, atrasado. ele sentiu essa falta de pontualidade como um sinal. assaltava-o a ideia de que a decisão de partir poderia não ser a mais acertada, porque se assim fosse a sua mente não continuaria a enviar-lhe mensagens de desconfiança e incerteza.
uma voz abrutalhada interrompeu-lhe o fio de
pensamento, anunciando a chegada do comboio dentro de 5 minutos. ele permanecia
estático, as pernas teimavam em não se mexer, como se estivesse a decorrer um
golpe de estado dentro de si mesmo. olhou para a sua esquerda e, no meio do
nevoeiro, vislumbraram-se, então, pela primeira vez, as luzes daquele adamastor
de ferro que o iria levar para longe de tudo. sentiu o coração a parar de bater e
uma dor lancinante no peito, como se este estivesse a ser apertado por dezenas de cordas. respirar era quase
impossível, assim como engolir, porque o nó na garganta era agora gigantesco.
tinha chegado o momento e rapidamente as pessoas
começaram a movimentar-se, com passageiros a sair, outros a quererem entrar,
acotovelando-se como se fosse uma prova olímpica. pegou nas suas malas e
começou a dirigir-se, sem muita vontade, para o comboio, com meia dezena de
pessoas à sua frente. agora teria mesmo de ir, não havia volta a dar, a decisão
acabou por surgiu naturalmente.
alguém lhe tocou, então, no ombro. no seu estado
quase catatónico e imerso na mais profunda tristeza, ignorou, pensando que
seria mais um “peço desculpa” ou um “foi sem querer”. continuou a avançar na
direcção da entrada, já só restava entrar o casal idoso que tinha chegado à
mesma hora que ele. voltaram a tocar-lhe no ombro, no mesmo ombro, a que se
seguiu uma palavra, uma palavra apenas.
“amor?”
virou-se para trás. dois segundos depois, largou
as malas. os olhares amarraram-se e rapidamente se soltou o beijo mais ansiado
de sempre, que se prolongou até o comboio desaparecer no horizonte.
estava encontrada a resposta para as suas
dúvidas.
ficaram!