quarta-feira, março 01, 2006

e que tal um café?

"temos que tomar um café um dia destes". é das frases que mais ouvimos e mais dizemos, já maquinalmente, como se fosse um "até logo" ou um "até amanhã". "tomar um café", o que há de especial em tomar um café com alguém? e porquê café e não um frisumo, uma meia de leite ou um licor beirão? encontramos alguém na rua, que já não vemos há algum tempo, e quando começamos a ver que já não há tempo suficiente para meter todos os meses que entretanto passaram nos dez minutos que temos, lá vem a solução: temos que tomar um café um dia destes. e para quê? para continuarmos a nossa conversa. acho que nas últimas 10 vezes que disse isto, só fui realmente tomar café com o meu interlocutor uma vez, duas no máximo. pensando bem, "temos que tomar um café um dia destes" também é uma boa forma de "despacharmos" alguém, sem ficarmos com peso na consciência, porque estamos a propor um novo encontro com essa pessoa, embora, secretamente, saibamos que não vamos combinar nada a sério e que aquela encenação toda é simplesmente para dizer: "ok, já não te via há muito tempo mas também não tive assim tantas saudades tuas, ao ponto de perder mais 10 minutos contigo". e o tempo é tão precioso! para quê desperdiçá-lo com um tipo que a única coisa que tem em comum contigo foi ter vivido na mesma terra que tu durante uns anos? ou um outro que era amigo de um amigo? como jerry seinfeld preconiza num episódio de "Seinfeld", a vida devia ser um talk show, em que recebíamos as pessoas que nos conhecem, mas teríamos sempre tempo limite para a conversa. "Tenho muita pena, gostaria de ficar aqui mais um bocado a falar contigo, mas o tempo não o permite e vamos ter que sair para publicidade. fique por aí, já a seguir teremos o paulo dias, da nossa turma no 8º ano do liceu". e quando estamos sorrateiramente e educadamente a tentar "sair" de um conversa e a outra pessoa se agarra à nossa mão, durante o aperto de mão de despedida, como se disso dependesse a sua vida? e nós já vamos no nosso 18º "então vá, até amanhã", ou no 13º "depois a gente fala", e nada. continuamos a ouvir o mesmo relato sobre as férias na serra da estrela, as infiltrações na casa nova, o spread bancário, as taxas de juro, etc.. onde é que está o comando remoto?? fast forward e estava tudo resolvido. se ao menos fosse tudo assim tão simples...
mas felizmente também há o reverso da medalha, ou seja, pessoas com quem acontece exactamente o inverso. nestes casos utilizariamos o controlo remoto para fazer um pause ou um slow motion, para o tempo passar mais devagar. e aqui sim, a frase "temos que tomar um café um dia destes" ganha todo o sentido, porque de facto queremos MESMO ir tomar café com essa pessoa, porque é todo um processo: o encontro no café, o atendimento, o pedido (normalmente, para o empregado, é totalmente irrelevante se pedirmos o café curto, porque ele traz sempre o café da mesma maneira, a cerca de 70 a 90% da chavena, por isso pedi-lo causa-lhe tanto impacto como dizer-lhe "a escola cinematográfica húngara dominou parte do século vinte em termos de efeitos visuais"), a espera, o açucar, mexer durante 20 minutos e ficar à conversa 2 horas. isto sim, é ir "tomar um café". com os exemplos referidos no parágrafo anterior, se tivéssemos MESMO que ir tomar café com eles, seria ao balcão e demoraria o mesmo que um anúncio da vodafone. já tomei cafés, descafeinados, chocolates quentes, capuccinos e meias de leite com pessoas muito interessantes, em que a conversa fluiu sempre de forma escorreita, sem pausas embaraçosas e em que há conhecimentos e referências suficientes para sustentares as tuas opiniões, ouvires outras, contrapores, fazeres valer o teu físico para impores sem margem para dúvidas a tua opinião (esta é a brincar, claro!), mandar piadas e receber sorrisos. e isso é tão importante caramba, sentir essa sintonia, esse "clic", essa partilha. para estas pessoas ainda tenho guardados mais uma centena de "temos que tomar um café um dia destes". e espero que elas aceitem, claro...

4 comentários:

Anónimo disse...

ola Zé
Olha eu aceito o tal "temos que tomar um café um dia destes"...
mesmo que nao esteja ca... havemos sempre de nos encontrar...
Pois és e seras sempre meu grande amigo...

beijos

Anónimo disse...

Isto também vale para o chocolate quente? Ou só as pessoas com quem marcas tomar café - concretamente café - é que interessam para as conversas mais ou menos relevantes, para as pausas mais ou menos embaraçosas e para o impôr de opinião ( e sem brincar)? o Chocolate quente é mais caro, mais gostoso e faz menos mal à saúde...

Anónimo disse...

Chá, café, laranjada... o que interessa é estarmos em boa companhia...

Desejar que os relógios parem, mas que as sensações e sentimentos permaneçam mesmo quando o relógio continuar a contar...

Anónimo disse...

Apre, que texto enorme! Quantos cafés tomaste antes de escreveres este post?

Ricardo